terça-feira, 21 de dezembro de 2010

O dia em que vi um anjo

Depois de quase 3 meses, 500 reais em conta de celular e muito dinheiro gasto com faxina e creche, tenho a impressão de que consegui arranjar uma nova babá para a Beatriz. Durante todo esse tempo, fiquei ansiosa pelo momento em que finalmente poderia fazer as unha sem ter uma criança querendo quebrar o salão inteiro, ou mesmo ir ao cinema com meu marido. E agora, finalmente, o dia parece ter chegado.
Conversei com a moça e combinamos que ela começaria dali a uma semana, afinal ela também precisava acertar as contas com a antiga patroa. Tudo agendado, parti feliz da vida com a Beatriz para o shopping. Nem liguei se ela estava chorando, enjoada com sono, ou se não queria comer. "Daqui a 8 dias eu vou poder relaxar um pouco", mentalizava.
Foi nesse momento que o vi: sem asas, auréola ou mesmo aquele vestido celestial que o denunciaria de imediato. Ele estava sentado numa mesa da praça de alimentação. Viu que eu passava de mãos dadas com uma criança e me chamou. A princípio, achei que tivesse me confundido com alguém. "Pois não, senhor?", perguntei. Ele apenas estendeu a mão, como se quisesse que eu me aproximasse. Devia ter mais de 70 anos, mas o rosto enrugado tinha um semblante delicado, suave. Neste dia, a Bia estava particularmente "difícil". Impaciente, fazendo birra e sem querer almoçar. Portanto, seguiu-me com muita relutância até aquele senhor que acenava. Quando cheguei perto, ouvi ele dizer: "Você não deve querer que ela cresça logo. O tempo passa muito rápido, moça. Muito rápido..." E fez uma pausa, para em seguida continuar: "Aproveite cada minuto, cada segundo que você tem a oportunidade de ter com sua filha, porque muito em breve ela vai crescer, e aí as coisas mudam".
Sorri pra ele e segui adiante. Mas aí foi que caiu a ficha do que tinha acabado de me acontecer. Olhei pra trás, procurando por ele, mas não o encontrei mais em parte alguma. E ali soube que um anjo tinha falado comigo. Podia ter sido uma amiga, o atendente do supermercado ou o frentista do posto. Mas como às vezes estamos desatentos, deixamos de perceber o invisível aos olhos.
De fato, nenhuma babá jamais vai substituir o amor e a missão que tenho na formação do caráter da minha filha. Com ou sem babá, com ou sem birra, com ou sem descanso, cabe a mim esta honrada função.
Guardei no coração aquelas palavras e abracei minha filha com toda a força do mundo. Naquele dia, agradeci a Deus por ter enviado um anjo e me lembrado de que para sempre serei mãe, só em caso de eu me esquecer.

sábado, 23 de outubro de 2010

A incrível saga da Mulher-polvo em busca da Babá quase perfeita

Depois de mais de um ano conosco, a Babá foi embora. Sem aviso prévio, sem justa causa e, pior, na semana mais complicada do meu trabalho. Com uma comissão do Mec esperando por mim numa faculdade e mais de duzentas provas pra corrigir de outra, ela me comunicou assim que chegou na segunda-feira: “Dona Lígia, a senhora vai ter que arrumar outra pessoa porque eu vou embora. Arrumei outro emprego perto da minha casa e começo no sábado”.
Definitivamente, isso dói. Especialmente se você gostava da funcionária e se acreditava com todas as forças que ela também gostava de você. Pior, se todas as suas roupas lavadas, passadas, almoço feito e cuidados com a sua filha (que a adorava) dependiam dela.
Não sei se alguém vai me entender, mas juro por Deus que a sensação que tive depois dela ter ido embora foi a mesma de ter terminado um namoro. Mais ou menos como se você estivesse feliz e satisfeita, fazendo mil planos com o parceiro e, de repente, ele chegasse terminando tudo para se casar com outra pessoa. Em uma semana!
Acordei no dia seguinte com a cara inchada de chorar, aquela sensação de ressaca emocional e me sentindo completamente perdida sem saber como é que seria a minha rotina de trabalho sem ter com quem deixar minha filha a partir do dia seguinte.
Como sou professora universitária, dou aulas pela manhã e à noite. No último turno está a causa da minha total dependência do serviço dessas pessoas. Infelizmente.
Digo infelizmente porque pela minha experiência de 2 anos e mais de 14 babás, sinto que me apego muito mais a elas do que o contrário.
Toda vez que chega alguma funcionária nova digo a mim mesma que dessa vez vai ser diferente, que vou manter uma distância saudável e que não irei me surpreender caso não dê certo. Há! Dois meses depois e já estou agradando, dando presentinho, enxergando a pessoa quase como membro da família. E faço isso porque acredito que a babá passe tanto tempo na minha casa que poderia mesmo se tornar como parte do que temos. Sem falar que é ela quem fica sozinha com a Beatriz em muitos momentos, portanto faz todo sentido que eu tente deixá-la bem feliz e satisfeita.
Ainda assim, elas nos deixam ao menor sinal. Melhor dizendo, à mais inescrupulosa oferta. E não se enganem! O inimigo pode estar ao lado, de surdina. Pode ser aquela sua vizinha que também tem filha pequena e se finge de bacana, pra depois oferecer emprego pra sua funcionária. Ou então aquela mãe de um coleguinha da escola que em pleno aniversário, aproveita um momento de descontração pra deixar um bilhete no bolso da babá alheia escrito: “Preciso urgentemente de você. Cubro seu salário, dou Plano de Saúde, cesta básica e ainda pago a Texturização no cabeleireiro. Me ligue!”
Para onde foi a solidariedade entre as mães, meu Deus? É um mundo cão do salve-se quem puder, ou tiver mais dinheiro para bancar a melhor babá.
E no meio disso, fico eu aqui ligando pra todos que conheço, deixando anúncio em jornal e recebendo ligações a cobrar o dia inteiro, enquanto passo um pano no chão, dou banho na Bia e preparo uma aula. Tudo ao mesmo tempo.

sábado, 9 de outubro de 2010

O que é ser boa mãe?

Desde o dia em que me vi com os dois pauzinhos vermelhos – que apareceram no exame de urina – até hoje, continuo a me questionar sobre o assunto:
Afinal, o que é ser boa mãe?
É largar o emprego para dedicar mais horas de atenção à minha filha? Ou é trabalhar mais para tentar proporcionar uma educação melhor do que a que tive, com mais oportunidades?
É fazer uma poupança em nome dela? Ou é ensiná-la a poupar o próprio dinheiro, quando tiver idade para tal?
É contratar a ajuda de uma babá para poder dormir uma noite inteira sossegada ou mesmo ir ao cinema com o marido? Ou é dispensar a ajuda para evitar que minha filha confunda quem é a mãe?
O que é, meu Deus, ser uma boa mãe?
É ensiná-la a orar e pedir a Ti por proteção? Ou é deixar que ela escolha a religião e crença que vai seguir, quando for grande o suficiente?
É comprar toda a coleção da Fisher-Price , que alega oferecer o melhor desenvolvimento para cada fase da minha filha? Ou é oferecer brinquedos de madeira que chamam de educativos?
É deixá-la dormir na minha cama quando ela está pedindo com aquela carinha de choro? Ou é deixá-la sozinha no quarto para adquirir auto-confiança?
É limpar o chão para ela brincar com os coleguinhas? Ou é deixar que se sujem para adquirir mais anticorpos?
É dar suco de beterraba com laranja porque é saudável? Ou é deixá-la comer batata-frita, de vez em quando,pelo prazer do momento?
É educá-la falando do amor ao próximo não importa a situação, mesmo quando tiver apanhado na escola? Ou é ensiná-la a se defender, mordendo de volta o coleguinha da escola, que cisma em cravar os dentinhos no braço dela?
O que é certo? O que é errado? O que é melhor? O que é pior?

Muitas vezes, antes mesmo de considerar qualquer uma dessas questões, temos de ouvir as certezas da mãe, da sogra, da vizinha, da amiga e até da desconhecida. Impressionante como as pessoas gostam de opinar sobre o tipo de mãe que você deve ser, ainda que tenham lhe conhecido apenas 2 minutos antes. E aí lhe resta congelar aquele sorriso de dentes trincados de raiva, para não ser chamada de desequilibrada por aí.

O fato é que feliz, ou infelizmente, não há manual de usuário para os filhos (sim, fui clichê. Foda-se). A meu ver, não há como normatizar as regras que farão do meu filho ou filha alguém mais inteligente, mais culto ou mais feliz. Pode ser, ainda, que o que funcionou para mim, não se encaixe, de maneira alguma, no cotidiano e ideologias de outra família.

Com isso não quero dizer que valores fundamentais que norteiam a vida em sociedade (como ética, respeito e generosidade) não sejam importantes para a educação de uma criança. Mas como fazer para ela entender esses princípios é que nos leva a muitas possibilidades e formas diferentes de agir. Inclusive em contextos diferentes.

E por mais que, ao longo da minha ainda curta jornada como mãe, tenha encontrado uma série de mães só-eu-sou-certa-e-sei-que-é-melhor-para-seu-filho, tento preservar as minhas intuições e fazer ouvido de mercador às versões femininas do finado Papai sabe-tudo.

Entendo que a vida vai mesmo oferecendo uma porção de caminhos diferentes a ser seguido, o que implica necessariamente em escolhas. Não necessariamente boas, nem más. Apenas diferentes, já que também somos todos únicos.
Assim, na sincera busca por acertar, inúmeras vezes me vejo envolvida num emaranhado de dúvidas e apenas uma certeza: a de que, não importa o que faça, jamais serei perfeita. Só de tirar o peso dessa exigência, talvez já esteja sendo uma boa mãe.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Tinha um Barão espertalhão...

Quando a escola da minha filha começou o projeto “Vamos mudar o Brasil” – para trabalhar algumas questões sobre respeito, ética e civilidade em plena época de campanha eleitoral – achei que seria muito difícil inserir tal temática no universo de uma criança de apenas dois anos. Na mesma hora, lembrei da discussão em torno dos dois atuais candidatos ao governo do estado do Ceará, em que o irmão de um xingava, gritava e trocava ofensas com o assessor do outro. A patética cena, que mais parecia com a imagem de duas crianças disputando quem conhecia mais palavrões, foi digna do “Oscar da baixaria” e amplamente divulgada, nos últimos dias, pelas redes virtuais afora. Sendo assim, pensei que se já era complicado discutir esse assunto com adultos aparentemente bem-informados, que dirá fazer uma criança entender as tramoias que se desenrolam por trás de uma disputa a presidência ou governo do estado.

Foi então que uma tarefinha de casa pedida pela professora – em que os pais deveriam ajudar a criança a identificar formas de tornar o Brasil melhor – exigiu de mim todo um esforço mental e psicológico para pensar em algo que nós pudéssemos construir juntas.

Sendo assim, fiquei horas matutando (verbo cearês, do infinitivo matutar, o mesmo que pensar) algo para ensinar à Bia como parte de um Brasil melhor. Depois de ter eliminado questões agrárias e outros assuntos um tanto quanto complexos, achei que poderíamos trabalhar com a questão do respeito às leis do trânsito, já que era algo que lidávamos diariamente.

Todos os dias, quando vou deixar a Beatriz na escola, vejo carrões estilo “tenho grana-sou possante- e-quero-que-você-se-foda” parados em fila dupla na entrada do portão. Não importa quantos cartazes, bilhetes e campanhas a escola tenha feito – pedindo aos pais que não parem seus carros em lugares proibidos – ainda assim, a cena se repete diariamente. Como boa observadora, percebi também que a maior parte desses veículos “infratores” são de marcas com alto valor de mercado, e que costumam ser dirigidos por motoristas particulares. É tão absurda a situação que chega a ser quase engraçada. Funciona assim: sujeitinho acredita com todas as forças que o mundo só acontece para servir de cenário às suas atividades. Logo, realmente pensa estar certo quando decide que todos naquela fila de carros ( os que estão atrasados para o trabalho, os que vão se consultar com um médico etc) devem esperar pacientemente enquanto ele desembarca Jesus Cristo em pessoa.

Enquanto páro meu humilde carrinho uns dois quarteirões adiante e vou caminhando em direção à escola, fico pensando no que leva essas pessoas a agir dessa forma. Será que sinceramente acreditam serem superiores, predestinadas e, portanto, dotadas de permissão divina para estarem acima da lei? Será que não percebem que estão desrespeitando o Outro? Ou simplesmente pagam dois IPVA´s? Pior, como vou explicar tudo isso pra Bia?

Há. Nem precisei. Temos (e agora uso a primeira pessoa do plural na tentativa de diluir a culpa) uma mania feia de subestimar a capacidade intelectual das crianças, mas a cada dia que passa, aumenta a minha certeza de que não há nada que não possa ser dito ou explicado a elas. É claro que muitas vezes serão necessárias figuras de linguagem para se fazer entender, mas até aí tudo bem. Afinal, os adultos também costumam falar com muito mais honestidade quando se utilizam desses artifícios lingüísticos.
Fomos atravessar a rua na frente do portão da escola e, vendo uma Hillux enorme parada em cima da faixa de pedestre, ela aponta o dedo pro carro e fala na frente do motorista, em voz alta e com a sombrancelha arqueada de seriedade: “Não pode parar aqui. É feio! Pode machucar a Bia!” Eu concordei em voz alta, pra ver se o mané se tocava.
Nem uma palavra.
Na volta pra casa, Bia pede pra colocar o cd com a música da bicharada:
"Era uma vez (e é ainda)/ certo país (e é ainda)/Onde os animais eram tratados como bestas(São ainda, são ainda)/ Tinha um barão (tem ainda)/ Espertalhão (tem ainda)...
...Miau,miau,miau, ia, ió.Au,au,au, cócórocó.."

sábado, 25 de setembro de 2010

Número dois

Antes de mais nada, o Ministério da Saúde adverte que este relato contém trechos inapropriados para os "sensíveis" de estômago e é contraindicado para se ler durante ou logo após uma refeição.

Não sei nem como começar a explicar, senão indo direto ao ponto. O cocô. Atualmente, durmo e acordo pensando em cocô. Estou quase virando uma especialista, ainda mais depois que comprei o livro da Dra.Gillian McKeith (Você é o que você come) e passei a observar cada detalhe das fezes da minha filha. Aprendi a identificar como foi a digestão e se o fígado estava sobrecarregado de gordura só pela cor, aparência e peso na fralda. Crê nisso? Passei quatro anos na faculdade de Jornalismo, dois fazendo mestrado em Semiótica para, por fim, terminar virando especialista em merda. Pensando bem, de certa forma, talvez eu já fosse - o que não vem ao caso agora.

O fato é que minha obsessão com o assunto começou ano passado, quando a Bia completou 1 aninho. Desde essa época comecei a observar que ela passava por períodos de intensa constipação, outros de diarréia. Levei a três médicos, fiz vários exames, mas nada de anormal foi constatado, nem mesmo verme. Depois de muita pesquisa e conversas com médicos, entendemos que o que ela poderia ter era a Síndrome do Intestino Irritável, que é relativamente comum nessa fase de 2 a 4 anos de idade, segundo os especialistas.

Eu mesma nunca tive esse problema. Pelo que minha mãe conta, quando eu era pequenininha(bem pequena tá, gente?),adorava brincar de massinha com o número "dois" em punhos.Pensando bem, dei informação demais, né? Aliás, em 30 anos de existência, nunca me imaginei compartilhando experiências com esse nível de intimidade. Não era exatamente esta temática que tinha em mente, quando decidi escrever para um público.

Mas enfim, como boa neurótica, li tudo o que achei sobre o assunto: de comentários em blogs até artigos científicos. Comecei a contar historinhas, cantar músicas sobre o cocô e até desenho para facilitar o processo. Ainda assim, ela tem enorme dificuldade para deixá-lo "ir embora". Não quer de jeito nenhum e sofre bastante quando percebe que vai ser inevitável.

Fico com dor no coração de vê-la chorando por esse motivo. Entretanto, pouco a pouco, ela está aprendendo a lidar com tal necessidade vital. Neste aspecto, o Activia tem sido muito bom pra ajudá-la(momento merchand). E qualquer progresso nessa área, merece minha máxima comemoração.

Quem diria que algum dia eu imaginei comemorar a saída de um cocô com "vivas", música e até dança? Se me contassem isso há uns 4 anos eu diria que era impossível! Mas confesso: até ritual da despedida nós fazemos, com direito a uma voz grossa e engraçada. "Agora eu preciso ir embora, Bia. Vou servir de comidinha pros bichinhos. Tchau, amiguinha!Até a próxima! Tchaaaaauuuu", enquanto desce pelo vaso.Pra você ver, não é a toa que dizem que a maternidade nos faz descobrir múltiplos talentos. Estou apta a concorrer ao Oscar das animações fisiológicas.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Por um parto sem culpas

Demorei em escrever sobre o assunto porque sei que é batido de dar dó, além de que divide as opiniões mundo afora, mesmo entre os amigos mais chegados. A questão voltou aqui porque percebi que precisava de temas mais populares para aumentar a audiência e comentários do blog.
Brincadeiras à parte, lembrei do assunto porque uma amiga está grávida e ainda não decidiu se gostaria de fazer uma cesária ou ter um parto dito normal. Escrevo "dito" porque embora insistam em me explicar o processo, não tem quem faça eu acreditar que uma cabeça e (pior!)ombros passando por um buraquinho que, em tese, deveria ser pequeno, seja considerado normal. Não pode ser normal, meu povo! Arranjem outro nome, façam um concurso e elejam a nova nomenclatura para esse tipo de parto, só não me venham com história de "normal". Primeiro porque, afinal de contas, o que é normal? A palavra, por si só, já levanta uma série de questões filosóficas e estereotipadas que acredito não ser a intenção de uso. Depois, isso não me parece normal sob nenhum aspecto! Nem religioso! E olha que já me disseram várias vezes: "Lígia, está na Bíblia. Eva teve filhos dessa maneira". Ok, é verdade, está na Bíblia. Mas desde quando isso é argumento? Alguém pode me garantir que, se tivesse a oportunidade, ela não teria pedido pra Adão levá-la ao Hospital Geral do Éden e chamado um anestesista para injetá-la drogas? Uma porção delas? Cá com meus botões, eu tenho a impressão de que Eva não gostou nada da história de ter de parir sentindo dor.
Podem me chamar de politicamente incorreta, mas tenho enorme dificuldade de aceitar essa bandeira levantada redes sociais afora de um mundo melhor com crianças nascidas de parto natural.Não concordo, não faria e não fiz, mas respeito a opinião e direito de cada um sentir dor pelo que quiser sentir.
Eu mesma fui linda,escovada, maquiada, depilada e de unha feita para o hospital, no dia marcado. Na mala, levei tudo o que queria, separei as lembrancinhas e ainda deu para escolher o quarto que quis ficar quando cheguei no local. Meu médico chegou na hora marcada, o anestesista (salve,salve!) também e tudo transcorreu bem. Não senti dor alguma, não sei nem o que é isso,participei do parto conversando com os médicos, vi meu obstetra puxando a Beatriz de dentro da minha barriga, beijei, abracei, chorei, posei pra foto e filmagem. Tudo perfeito como se tivesse sido organizado por um equipe de eventos. Pra mim funcionou e me fez muito feliz.
Agora o que realmente é absurdo, desrespeitoso e criminoso é quando vejo as discussões sobre o assunto que trazem a ideia de que é melhor mãe quem tem parto natural. Obviamente as palavras não são ditas exatamente deste modo, mas a ideia fica nas entrelinhas das discussões. "Me sinto muito mais mãe sofrendo as dores do parto, passando por tudo". Com todo respeito, essa é a maior asneira que já ouvi alguém pronunciar. Sentir-se mais mãe? Como assim, Bial?
Não é possível que, em pleno século XXI, ainda tenhamos de conviver com a ideia absurda e retrógrada de que o sofrimento nos faz melhores. Melhores mães, pais, amigos, namoradas, cristãos. Já disse isso em outro post, mas esse ranso de culpa católica, de que temos de sofrer e sentir muita dor para merecer o céu é o que acaba com a nossa sociedade ainda patriarcal, escravocrata e alienada. É o que aprisiona milhares de mulheres em relações infelizes porque leram em algum folhetim que, se aguentarem o tranco, terão a recompensa final.
A meu ver, a maternidade não tem absolutamente nada a ver com o que se sente. Se dependêssemos disso, o que diríamos dos momentos de stress: você com TPM, enquanto a criança chora, o outro briga com o irmão, o marido reclama do dinheiro e o chefe liga cobrando aquele relatório pra ontem? Aposto que nenhuma mãe "sente" amor profundo e realização num momento como este. O que é absolutamente normal.
O que precisamos entender é que ser mãe é, antes de qualquer coisa, uma decisão racional. Diz respeito ao compromisso estabelecido com aquela criança de lhe dar amor, carinho, afeto, limites, broncas, educação, apesar da variedade de sentimentos que vamos experimentar ao longo da vida. Dessa forma,não temos de ter sofrido dor física alguma para assumirmos essa função. É o que fazem as mães adotivas, por exemplo. Tão mães quanto qualquer outra.
Acredito que o importante é a vontade de assumir o compromisso com o outro.Parindo em casa com a parteira, na água que nem a Gisela Bündchen, no hospital sem anestesia, com anestesia... São tantas possibilidades que chegamos mesmo a esquecer que, no final das contas, quem vai dar a última palavra é a criança, que pode supreender o mais organizado dos planos e resolver nascer, só de mal, do jeito que a gente não esperava.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Tempos líquidos

Essa semana levei para os meus alunos um dos filmes que mais marcaram minha infância: Cinema Paradiso. O interessante de vê-lo novamente foi perceber toda uma construção de novos sentidos, de modo completamente diferente da 1a. vez que vi a película, ainda criança. Desta vez, o que não consegui tirar da cabeça foi a conversa de Alfredo com Totó, quando este já não é mais criança e começa a amadurecer. Alfredo diz que Totó precisa ir embora, precisa viver, experimentar o mundo, e que não deveria olhar para trás."Daqui por diante, não quero mais falar com você. Quero ouvir falar de você", diz Alfredo.
Ah, que difícil criar um filho para o mundo. Deixá-lo ir, sem cordão umbilical nem nada, sozinho, responsável pelos próprios acertos e erros...
Assistir o filme novamente só me fez enxergar essa relação pai-filho de um modo completamente inesperado. Além do que, me levou a pensar no momento quando chegar a minha vez de dizer:"Vá".
Hoje, só de imaginar, fico com um nó na garganta e um monte de perguntas na cabeça:"Será que fico assim por que é a Bia quem ainda precisa de mim? Ou eu que preciso dela?"
Ontem mesmo quis colocá-la no braço, mas recebi em troca um dedinho apontado pra cima e uma vozinha dizendo: "Não, mamãe. Eu não preciso de braço, eu já sou uma criança".
Na hora ri, mas confesso que por dentro fiquei arrasada.Entre um punhado de fraldas e algumas aulas, mal percebi que 2 anos já se passaram desde que aquela pequena rosadinha nascera.
E aí foi que percebi como o tempo, de fato, é líquido. E como é difícil estar no papel daquela que educa, ama e, ao mesmo tempo, deixa livre.
Confesso que antes de ter filho julgava ser tudo muito mais simples, até mesmo porque não tinha a menor afeição com o universo infantil. Já hoje tenho de lidar com a dificuldade de deixar minha filha crescer sozinha, mas fazê-la entender que estarei por perto quando ela precisar. Como quando ela anda de bicicleta, e eu fico com a mão atrás, sem encostá-la.
Sentei no sofá e acho que Beatriz percebeu meu desapontamento. Ela se aproximou e estendeu as mãos. Dei um abraço apertado e perguntei se ela podia ser criança e, ao mesmo tempo, a minha bebê. "Pode", ela respondeu. Por enquanto foi um consolo.

domingo, 29 de agosto de 2010

Você é grande?

Quando eu era criança, passava boa parte do tempo falando sobre o que faria quando fosse grande, brincando com os sapatos da minha mãe para parecer mais alta ou esticando meus braços e pernas porque uma prima, mais velha que eu quatro anos, garantiu que era “tiro e queda” para crescer.

A receita não deu muito certo, apenas câimbra nas pernas. No entanto, as lembranças que tenho de quando sonhava em ser bem alta, ainda são coloridas na minha cabeça: “Liginha, você tem que ir dormir logo para poder crescer. Quem dorme bastante, fica grande logo”, minha mãe dizia. Palavras mágicas. Eu pulava na cama e ficava numa ansiedade doida pra chegar o dia seguinte. Assim que amanhecia, corria pra parede com um lápis na mão. Lá marcava a minha nova altura, esperando o dia que alguém ia chegar e dizer: “Muito bem, agora você é grande”.

Contei pra minha filha a história e agora também marcamos, com um lápis, a altura dela na parede do quarto. Com data e tudo. Ai de quem tentar apagar!

Isto porque, ultimamente, a Bia começou a se interessar por essas questões. E faz um monte de perguntas. Outro dia, no caminho pra escola, ela começou: “Mamãe, você é gandi (sic)?” Do alto dos meus 1m60cm, lembro que um dia jurei ser sincera quando tivesse um filho e ele começasse a me fazer milhões de perguntas. Então, respondi: “- Sou, filha”. “A babá é gandi?” “-É, filha”. “O papai é gandi?” “É, filha”.
Parecendo satisfeita, ela se calou. E eu acho que ela esqueceu o assunto. “Ótimo”, pensei.

Daí a uns segundos – cinco ou seis – ela continuou, agora com a Síndrome do Pelé (falando tudo em terceira pessoa): “A Bia é gandi?”. Enquanto dirijo o carro, olho pelo retrovisor aquele rostinho questionador, com a sobrancelha franzida de quem realmente espera uma resposta e penso no que dizer. Finalmente cedo e tento dar o meu melhor:
“Se você é grande? Depende do referencial, filha. Perto da Clarice, sua amiguinha do prédio, você é grande, porque ela ainda é um bebê e é menor que você. Já em comparação à mamãe, você é bem pequenininha. Mas se a mamãe ficar perto do papai ou mesmo do tio Dudu, por exemplo, ela vai ser pequena e eles vão ser grandes”, expliquei.

No entanto, sentindo-me insatisfeita com a complexidade da questão, paro no sinal vermelho, olho pra ela e abro meu coração: “Olha, filha, crescer é algo que envolve uma maturidade emocional e espiritual enorme. Envolve até mesmo uma questão de generosidade e solidariedade com os outros. São poucas as pessoas realmente grandes”.

Ok. Eu sei que ela não entendeu nada do que eu disse. Mas achei que era importante falar, vai que alguns conceitos ficam registrados no subconsciente e depois afloram, vai saber.
Tudo ficou em silêncio. “Deu certo”, eu pensei. Até que não era tão complicado responder as perguntas de uma criança. “Elas são incompreendidas porque ninguém tem paciência de explicar o que quer que seja de uma maneira honesta e franca. Se fizessem isso, seria o bastante”, concluo, já imaginando os cursos que poderia ministrar a outras mães na mesma situação.
Chegamos à escola, pegamos a mochila e vamos andando até a sala de aula. Na portinha de entrada da sala, ela me dá um beijo e solta minha mão. Já vou saindo, quando ela me chama: “Mãaae”. “A vovó é gandi?”

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Livrai-nos de todo o Mal

Minha mãe costumava dizer que não tem nada pior do que ver o filho doente, com aquela carinha desconsolada, desanimada, sem vontade de ao menos implicar com alguém ou fazer uma mal-criação.

Quem é mãe sabe como as cenas se desenrolam quando os primeiros sinais de resfriado ou gripe apontam naquele rostinho indefeso. O nariz começa a escorrer, os olhinhos vão ficando avermelhados e o paninho se torna o melhor companheiro. A minha faz manha, pede colo, choraminga, quer dormir nos meus braços e passa o dia com a mamadeira do lado.

Eu não ouso reclamar. Passo a madrugada em claro, se for preciso, e durmo com ela ao meu lado, para me certificar de que estarei presente em todos os momentos, conferindo cada temperatura.

O fato é que quando se trata de um desses resfriados corriqueiros, por maior que seja a preocupação dos pais, transita-se por uma área invisível de segurança, assegurando que tudo está sob controle. Afinal de contas, ainda que gripados, eles estão ali, debaixo das asas da mãe, tratando de protegê-los de todo o mal do mundo.

Complicado mesmo é quando essa mãe e esse pai não conseguem fazer isso.

Nessa semana que passou, acompanhei pela TV a exposição quase cinematográfica (oxalá tivesse sido apenas um filme) da morte de um jovem de 14 anos que estava voltando para a casa com o pai e foi baleado na nuca por um policial do Programa de Segurança Pública do Estado, o Ronda do Quarteirão.

Chorei muito ao ver aquela cena dramática do pai abraçado ao corpo do filho estendido no chão, chamando pelo nome dele. Um homem impotente, desesperado, absorto em sua dor infinita e que mal podia compreender o que se desenrolava a olhos nus.


Não me interessa se a culpa foi do policial mal-preparado, do Secretário de Segurança incompetente ou do puro descaso do Governador. O que me tocou profundamente foi constatar que aquele homem nunca mais voltaria a ver o rosto do seu filhinho rindo, chorando, com raiva, com vergonha, sono ou de qualquer jeito que fosse, mesmo doente. E isto, por si só, já me pareceu absolutamente insuportável e surreal, como se de repente o oxigênio sumisse do planeta Terra e não fosse mais possível respirar.


Eu conheço aquela rua em que o crime aconteceu, havia passado por aquele mesmo asfalto não havia nem 2 horas antes do ocorrido e agora, um dia depois, me via chorando pela dor que poderia ter sido a minha e que era de outro. Nesse momento, não tive como não reconhecer o mesmo olhar de desespero que já havia visto antes, em meus próprios olhos, quando pensei que tinha perdido minha filha, quase 2 anos atrás.


Quando completou exatos 4 meses, Beatriz teve algumas crises inexplicáveis de convulsões. Ela tinha ido a uma consulta de retorno à médica pediátrica por conta de um refluxo e eu não pude levar-lhe porque estava dando aula na faculdade. No entanto, nem bem iniciara o trabalho, minha mãe e meu marido ligaram e pediram que eu fosse o mais rápido possível para o consultório médico, porque segundo eles, minha filha não estava se sentindo muito bem. Fiquei nervosa com a forma como haviam dito aquelas palavras e o mais rápido que pude, dirigi-me ao encontro deles. Quando lá cheguei, vi minha bebezinha chorando initerruptamente nos braços da avó. Tomei-a para perto e perguntei a todos na sala o que tinha acontecido. Foi então que a médica explicou que Beatriz estava em crise de convulsões. Meu coração quase parou naquele instante e o relato que conto a seguir são trechos dos momentos que consigo me lembrar.

Fomos ao hospital às pressas: minha mãe dirigindo e eu atrás com a Bia no colo. Enquanto ela cortava sinais e tentava chegar ao local, minha atenção era fixa no rosto de minha filha que revirava os olhinhos e tremia os bracinhos todos rígidos, enquanto chorava, como se pedisse ajuda. Aquilo me doeu como jamais nada doera tanto e minhas lágrimas eram todas insuficientes.

Sendo assim, lembro que abri a porta do carro enquanto um sinal teimava em se manter no vermelho e instintivamente corri em direção ao hospital, carregando minha bebê nos braços, pelo meio da avenida. Talvez tenha atravessado na frente de carros que buzinaram ou passado por pessoas atônitas com a situação inusitava para um trânsito caótico do meio-dia, mas honestamente não poderia dizer que percebi qualquer uma dessas cenas. Apenas corri, o máximo que pude, o mais rápido que consegui.

Entrei no hospital e entreguei Beatriz, meu bem mais precioso, aos médicos da emergência. Com esforço, conseguiram me manter do lado de fora da sala, enquanto tomavam as providências necessárias para tentar salvá-la e evitar que um dano cerebral se instaurasse de forma irreversível.

Ao final de tudo, ela voltou ao normal, ficou internada por alguns dias, fez inúmeros exames tomográficos, mas nada apontou a causa daquele episódio que, graças à Deus, não deixou nenhuma sequela.

Esta é a primeira vez que conto em detalhes e me permito reviver todos os sentimentos que tomaram conta de mim naquele dia de aflição. Por ter sido traumático, procurei evitar o contato com aquelas lembranças que, ainda que viva 150 anos, jamais sairão da minha cabeça, para o bem e para o mal.

Mas hoje, no entanto, fiz isto para lembrar-me de que foi naquele dia que descobri e testei a imensidão de amor que tenho por minha filha, em meio a dor e ao medo de perdê-la. E é por isso que, de alguma forma, senti-me cúmplice, ainda que numa proporção infinitamente menor, da dor daquele pai que nem sequer conheci.

De todo minha alma, desejei que ele não tivesse de passar por isso. Nem ele, nem ninguém. Com os olhos baixos e em meio às lágrimas que escorriam, fui ao quarto da Beatriz, ajeitei o paninho ao lado daquele rosto angelical dormindo, dei-lhe um beijo na testa e me ajoelhei. Mesmo sem nem lembrar quando tinha sido a última vez que tinha feito esta oração,falei o que meu coração pediu:
"Pai Nosso que estais no céu, santificado seja o Vosso Nome, venha a nós o Vosso reino e seja feita a Vossa vontade, assim na Terra como no céu. O pão nosso de cada dia nos dai hoje,perdoai as nossas ofenças, assim como nós perdoamos quem nos tem ofendido. Não nos deixei cair em tentação, mas livrai-nos de todo o Mal"

quinta-feira, 15 de julho de 2010

No escurinho do cinema

Desde o dia em que minha filha nasceu, aguardava este momento chegar. Talvez até com mais ansiedade do que esperei pelos primeiros dentinhos ou passos. Por vezes pensei em forçar a barra, mas quando olhava para aquela bebê ainda inapta a lidar com o ambiente escuro e barulhento, acabava desistindo. Realmente podia assustar, então sempre ficava para uma próxima oportunidade.
Mas eis que o dia havia chegado. Na terça-feira, dia 13 de julho de 2010, levei minha filha pela primeira vez ao cinema. Para além do fato de que levá-la para conhecer algo novo já seja, em si, fantástico, neste caso a emoção era ainda maior.
Em primeiro lugar porque eu sou absolutamente apaixonada pelo cinema. Não me refiro nem aos filmes que passam por lá, mas ao lugar mesmo, entende? É a química do cheiro de pipoca misturado com ar condicionado e bombom, o friozinho gostoso que dá vontade de levar um casaco, a poltrona, a tela grande, o burburinho das pessoas chegando... Ah, o cinema...
Costumo ir toda semana. De preferência sozinha e, de preferência, num horário pouco movimentado. O motivo é um só: tenho ciúme dele. Queria ter dinheiro para reservá-lo só pra mim, mas como não posso, tento evitar o encontro com outras pessoas no recinto. Lá, me sinto numa terapia. O ambiente é, ao meu ver, extremamente facilitador à entrega, portanto é isto que faço: visto a carapuça e sou capaz de rir bem alto ou mesmo chorar copiosamente.

Depois, o cinema é pura nostalgia em minha vida. Impossível lembrar da infância e não ter flashes da cadeira vermelha do Cine São Luís, os grandes lustres ou o segundo andar com parede de vidro, que eu achava que era feito especialmente para quem não sabia ler e precisava de um tradutor ao lado. Só muito tempo depois fui saber que, na verdade, aquele era um ambiente reservado aos fumantes,imagina.
Na memória mais remota que tenho da minha ida ao lugar,está meu pai e eu, no segundo andar, assistindo História sem Fim. Eu tinha 5 anos e não sabia ler. Assim, meu pai passara boa parte da exibição traduzindo cada palavra. Digo boa parte porque assim que o Homem de Pedra entrou em cena, abri o berreiro e quis ir embora.

Sendo assim, minha mão suava frio enquanto conduzia Beatriz, pela primeira vez, rumo à Sala Mágica. Procurei ficar quietinha para não perder nada daquele momento, nenhuma reação. E logo na entrada, ela gritou de felicidade: "Olha, mamãe! Tá escuuuro!"
Escolhemos nosso lugar, acomodamos nossa pipoca e refrigerante, e esperamos O Shrek aparecer. Os olhinhos da Bia nem piscavam. Ela estava encantada com o tamanho da tela e não parava de me apontar tudo que encontrava: "Olha mamãe, olhaa".
Eu olhei. Vi enquanto ela observava a quantidade de gente sentada em cadeiras enfileiradas, o jeito como ela ria, mesmo sem saber o motivo, só porque as outras pessoas assim o faziam, e a forma como, avidamente, colocava a mão dentro do saco de "picoca" (sic Bia) quase do tamanho dela.
Agora, claro, como meu relato não é filme de ficção, nem tudo foi perfeito. A paciência dela durou até o final do saco de pipoca (entendeu agora o tamanho grande?), o que representa mais ou menos 1 hora e 10 minutos de filme. Assim que a comida acabou, o cinema também. Pelo menos pra ela.
"Se levanta, mamãe. Vamos?", ela pediu, estendendo o braço. "Tudo bem, filha. Se pra você foi o suficiente, pra mamãe também foi. Mais do que suficiente", disse enquanto segurava na mãozinha dela e a conduzia para fora, feliz da vida.

domingo, 11 de julho de 2010

Quem pariu o Mateus, que o balance!

Fui convidada para a festa de aniversário de um amigo e, tão logo aceitei o convite, peguei o calendário mais próximo e comecei a contar os dias. Uma amiga que estava comigo no momento não entendeu minha reação e perguntou: “Mas o que é isso? Você é convidada para um aniversário e depois vai contar dias no calendário?” Pensei em explicá-la a importância crucial do que estava fazendo, mas limitei-me a ser específica: “Estou vendo quando é a próxima folga da babá”.

Para minha infelicidade, ela estaria de folga. Olhei pro sofá e vi a Bia com uma canetinha preta prestes a fazer uma obra surrealista no braço do estofado. Respirei fundo e tentei racionalizar:“Ok, Lígia. Tudo bem. Você é adulta, tem um 2 braços e 2 pernas... outros já fizeram isso antes. Não pode ser tão complicado assim!”

E pra ser sincera, foi bem mais fácil do que eu imaginei. Os amigos e conhecidos que sabem da minha não-aptidão com o universo infantil, ficaram chocados com as cenas que foram, inclusive, fotografadas e filmadas. Sentei no chão de roupa nova e nem liguei (bom, talvez um pouco), para brincar de massinha com umas 10 crianças diferentes. Por fim, dei banho de mangueira na Bia e nas outras amiguinhas, que saíam correndo pela grama verdinha dando gargalhadas até cair no chão.

No final das contas, eu também me diverti. Ver a Beatriz sorrindo não tem preço, mas confesso que tive que trazer do fundo do baú o melhor de mim, e que essas cenas só serão repetidas daqui a 4 anos, que nem Copa do Mundo. Mesmo assim, admito que continuo achando as conversas em “roda de mães” o que há de mais sacal no universo, e que discutir a melhor linha educacional das escolas me dá tanto ânimo quanto comprar carne no açougue. Prefiro mil vezes falar do último desfile do Lino, de um lugar que quero conhecer ou até da disputa presidencial, juro.

Mas antes que eu pareça uma mãe desnaturada, digna da intervenção do estado, gostaria de esclarecer o contexto. Definitivamente, não nasci com um instinto maternal aflorado de propaganda da Johnson´s, não tenho paciência para brincar com as crianças dos outros e, até me descobrir grávida, não tinha nem muita certeza de que gostaria de ser mãe.
Sobre este último aspecto, parece que a decisão não estava plenamente tomada – assim diria Freud – do contrário seria impossível ter engravidado, por motivos ligeiramente óbvios.

Aliás, num desses programas televisivos de exposição das mazelas nos relacionamentos, a psicóloga contratada para falar bonito às câmeras dizia que o próprio fato de se esperar um bebê já era indicativo de que, em algum lugar, no mais profundo do ser, havia esse desejo. Mesmo inconsciente.

Lembro que na época fiquei em dúvida se ela tinha razão, até porque confesso que mesmo grávida não me vi aproveitando os meses da gravidez com magia, delicadeza e encantamento. Enjoei quase todos os dias das 39 semanas que a Beatriz ficou dentro de mim, senti-me doente, com o corpo dolorido a maior parte do tempo e trabalhei feito uma condenada porque só pensava nos gastos com a escola, babá e fraldas. Não vou nem mencionar o quanto me senti ridícula com aquela barriga que esbarrava em todo lugar.

Para completar, acredito que coloquei por terra o mito da mulher grávida com desejos. Primeiro porque afirmo, sem sombra de dúvida, que isso é frescura. Simples assim. Honestamente, sempre desconfiei de que essas vontades inexplicáveis não faziam muito sentido, mas como nunca tinha esperado um bebê não tinha como ter certeza. No entanto, quando fiquei grávida da Beatriz, percebi que maior do que qualquer desejo específico, o que sentimos mesmo é muita carência e necessidade de atenção. Aí já viu, juntou a fome com a vontade de comer. Uma grávida qualquer deve ter tido essa ideia há muito tempo atrás, percebeu que dava ibope com o marido dizer que queria comer alguma combinação exótica, e pronto. Como nenhum homem vai poder dizer que a mulher está mentindo, já viu, virou tradição que dura até hoje.

O fato é que, por vezes, lido com a maternidade de um jeito diferente das outras mães que conheço. No início, isso me preocupou bastante, tanto que eu ficava feito louca, tentando ler e me informar sobre tudo, para que não deixasse de oferecer à minha pequena nada que fosse essencial para a formação dela. Tinha medo, por exemplo, de que por não ter colocado música clássica para a minha filha escutar enquanto estava na minha barriga, ela fosse ser mais infeliz, sei lá. Ou se eu não comprasse o melhor móbile da marca mais cara do mercado, ela não seria capaz de se desenvolver corretamente.

Eu sei, são neuras. Mas sei disso hoje, quando ela tem mais de 2 anos. Ainda bem que percebi, em tempo, que o tal do instinto maternal é algo que parece ser muito mais individual e particular nas próprias características, do que se divulga por aí.

O meu, por exemplo, me dizia que niná-la com Like a Virgin, ao invés de Boi da Cara Preta, era muito mais legal. Ou que não levá-la para um espetáculo dos Backyardigans, cujo ingresso custa 150 reais, não vai fazer dela uma pária da sociedade.

Não sei, mas tenho a impressão de que a palavra instinto carregue, em si, um certo exagero semântico, perdoado somente pela licença poética que envolve a maternidade. Por via das dúvidas, prefiro acreditar no Pequeno Príncipe, que desde que eu era criança, tinha me alertado sobre a chave da questão:responsabilidade. Aquela, sobre tudo o que cativo.Lembram?

domingo, 4 de julho de 2010

Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais

A mais nova mania da minha filha de 2 anos é acordar no meio da noite, sempre depois das 3 horas da madrugada, para brincar. Não é dor, insônia nem preocupação com os novos rumos da economia.
Não sei...imagino que certo dia ela deve ter despertado nesse horário, por qualquer outro motivo, e pensado: “Ei, agora é um bom momento para brincar. O clima é ameno, fresquinho, eu não estou cansada e a mamãe está no mais profundo sono...Perfeito! Posso acordá-la! Ma-mãaaaaaaeee!!!”
Antes que alguém pense em me sugerir dar brinquedos para que ela se entretenha sozinha, adianto: eu já tentei. No entanto, ela parece estar na fase dos “terríveis 2 anos”, como diria a Encantadora de Bebês (momento “merchand”), e faz questão de que todos na casa participem da incrível jornada da madrugada.
O pai alega que nunca a escuta chamando, o que desperta em mim sérias desconfianças dessa queda em sono profundo, convenientemente acionada como um chip programado geneticamente para agir depois que o primeiro filho nascesse.
O irônico disso é que eu sempre achei que este seria o meu comportamento como mãe, já que não me imaginava segurando um bebê no colo antes dos 40 anos. Podia jurar que teria muita dificuldade de sair dos braços de Morfeu para atendê-la quando ela acordasse com fome, dor ou qualquer outro problema.
Ledo engano. Primeiro porque as palavras “farra” e “filha” parecem não mais existir na mesma sentença, pelo menos não na minha vida. Segundo porque, gostando ou não, descobri mais uma das mudanças estranhas pelas quais toda mãe parece passar depois que tem filhos – além de começar a gostar do Roberto Carlos – mas não conta a ninguém: não consigo mais dormir em sono profundo. Nem que eu queira e me esforce muito.
Não consigo ignorar o chamado daquela “vozinha” gritando meu nome. Até poderes telepáticos e premonitórios acredito que já comecei a desenvolver, porque sou capaz de escutá-la mesmo que um trio elétrico esteja passando ao meu lado. Juro que já aconteceu até de acordar no meio da madrugada porque achava que ela precisava de mim, e em seguida ela chorar.

Na semana passada, depois de tê-la colocado na cama pela enésima vez, tentei uma nova tática. Acordei (óbvio), mas fiz de conta que não tinha ouvido nada, e nem me movi da cama. Acreditava que isso seria o bastante para destituí-la da ideia fixa de procurar um dos sapatinhos da Cinderela e levá-la para dançar com o “Pimpe”(versão de Beatriz para “príncipe”) no baile às 3:33 da madrugada. Preciso assim.

Aliás, peço licença nesta parte para abrir um parêntese e comentar algo que ainda estou em dúvida se é algum aviso do final do mundo ou apenas TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo). Sempre que acordo e olho para o relógio, vejo números repetidos, tipo: 2:22, 3:33 e por aí vai. Não faço ideia do que signifique e espero que não seja nada catastrófico, porque honestamente ando tão cansada que falta coragem até pra ficar com medo.

Voltando ao assunto “Bia e o sapato da Cinderela”, de nada adiantou ignorar o chamado. Ainda pensei em explicar que já fazia algumas horas que a princesa tinha se transformado em doméstica novamente, mas fiquei cansada só em elaborar esse raciocínio.

Antes mesmo de pensar no que fazer, senti um dedinho gelado abrindo meus olhos, enquanto uma voz dizia baixinho: “Acorda, mamãe”. Tive vontade de rir e chorar, ao mesmo tempo.

Muitas negociações depois – que envolveram, inclusive, a mediação do difícil empréstimo do sapato de Ariel para Cinderela e três histórias da Moranguinho– fomos todos dormir. Pelo menos pela próxima hora, quando já exausta, deixei-a dormir na nossa cama. Por favor, sem comentários.

Ok, sei que perdi o controle. Não deveria ter cedido, afinal “como posso impor limites dessa forma?”, você deve estar se questionando. Sim, tem razão...tem toda razão. Mas quer saber? Desculpem-me as educadoras de plantão – aliás é melhor nem continuar lendo esta crônica – mas nesta hora mandei a Super Nanny pra-casa-do-cara-le-o. Poxa, sou apenas uma latino-americana tentando sobreviver!

Uns dias depois meu pai vem em casa visitar a neta e pergunta como ela está se comportando. Respondo que ela está bem, então ele vê minhas olheiras e pergunta de novo. Respiro fundo e começo a explicar que já tem algumas noites que ela não me deixa dormir porque quer brincar, que é tudo muito difícil e que não me sinto preparada para tantos desafios, quando ouço meu pai cair na gargalhada.

“Não entendi”, digo contrariada. “Você está rindo porque não é com você”, disparo, mal-humorada. Foi nesse momento que, gentilmente, ele me lançou um olhar terno, daqueles que só os pais conseguem dar aos filhos quando estão lhe ensinando algo, e me disse com ternura: “Que bom ela não ter lhe deixado dormir porque queria sua companhia para brincar, minha filha. Veja bem, o tempo passa rápido. Você poderia estar sem dormir porque é madrugada e sua filha ainda não voltou pra casa. Ou pior, porque é madrugada, ela ainda não voltou pra casa e nem quer que você fique acordado esperando ela chegar. Já pensou nisso?”

Abaixei a cabeça e nem uma palavra saiu mais da minha boca. Naquela noite, quando minha filha acordou, acendi a luz e brincamos de princesas.

domingo, 27 de junho de 2010

A festa de aniversário

“- Eu mesma vou preparar tudo”.
“- Eu posso fazer sozinha, dá tempo”.
“- Vou costurar tudo a mão”.
“- Amanhã eu começo”.
“- Se eu procurar bastante no centro, vou comprar tudo bem mais barato”

Por gentileza, alguém faça o favor de anotar aí que, da próxima vez em que eu proferir essas palavras ou quaisquer outras que lhes sejam sinônimas, podem chamar a Oprah e partir pra intervenção. Isto significa que eu estarei fora de mim, mentalmente impossibilitada de ser responsável por minhas palavras. E ações.

Explico. Tudo começou quando eu tive a infeliz ideia de fazer, eu mesma, a festa de aniversário de 2 anos da minha filha Beatriz. Tomada pelo impulso Angelina Jolie – que assume aquela imagem cool, de quem passeia pelas ruas de Toscana, perfeitamente bem, com seus 15 filhos – achei que ia ser digno ser lembrada no futuro por ter feito, sozinha, a inesquecível festa de 2 anos.

A verdade é que ninguém nos diz que atrás da Angelina deve ter umas 4 babás pra levar as bolsas, correr atrás de quem se perde e lembrar de dar a comida. Elas só não são fotografadas, tenho certeza. Já viu que quando tiram fotos da celebridade com o baby, fica sempre um pezinho ou um pedaço de braço cortado na imagem? É a babá. Certeza. Quando não vem junto o segurança e o motorista.
Nunca notaram que elas sempre passeiam livres e serelepes, segurando apenas o bebê no colo ou pela mão? Ora, e onde fica a enorme bolsa com as 3 fraldas descartáveis extras, o paninho pra secar, outro reserva, o trocador, o potinho de guardar leite, a mamadeira, revistinha, o brinquedo, a água e a roupa-de-emergência? Notaram que elas, magicamente, nunca estão presentes nas mãos das divas?
Pois é. Eu não notei. Droga! Tudo culpa da Caras. Sem Contar que fazer isso na Europa é no, mínimo, muito mais chique do que se embananar toda com mil bolsas em plena Santos Dumont.

Assim, ludibriada pelo sentimento Obamiano (“Yes, we can”) através da cruel manipulação midiática, comecei a planejar o evento. E como se já não tivesse me comprometido com o suficiente, achei por bem fabricar manualmente todos os 120 dedoches de Chapeuzinho Vermelho que seriam entregues de lembrancinha. Como se alguma criança ainda prestasse atenção a esses brinquedos educativos!

Não é preciso ser gênio pra imaginar em que estado eu me encontrei no dia da festa. Desde a noite anterior não dormia nem 5 minutos escondida no banheiro, e o que eu achei que seria uma longa madrugada de trabalho manual, transformou-se num estressante estalar de dedos. Quando menos percebi, o sol já estava alto e eu continuava costurando, cortando, colando...
Dali em diante, só tenho flashes. O bolo chegando. A decoração que estava atrasada. A mulher dos balões ligando. A Bia roubando um brigadeiro.O homem do pula-pula. E eu costurando. A esta altura, minha mãe – que tinha chegado em casa pra ajudar nos preparativos – também já estava nervosa só de contar quantos dedoches ainda faltavam, e resolveu convocar uma comitiva de guerra. Quando me dei conta, tinham, pelo menos, umas 6 pessoas que eu nunca tinha visto antes, sentadas na minha sala e sofá, colando, cortando, costurando e colocando balas nos saquinhos. Tudo rápido e sincronizado, quase uma produção em série.

Agora me diz: pra quê tudo isso? Ou melhor, por quê? Sim, pois a menos que alguém estivesse com uma arma em punho apontada para a minha cabeça, nada mais justifica tal ato insano. Só pode ser a tal da “culpa católica”, essa coisa cultural masoquista de auto-punição e sofrimento para merecer o céu (preciso confirmar essa com meu analista).

No fim, deu tudo certo. Como teria dado de qualquer forma, mesmo que eu conseguisse ter estragado tudo. E, pelo que me lembro, todos ficaram satisfeitos também. Ao menos fiz o favor de não perguntar.

Se bem que, fazendo um retrospecto de alguns momentos agora, tenho a impressão de que estive drogada a partir da metade do aniversário em diante. Sabe aquela sensação de lembrar vagamente do que aconteceu num lugar que você sabe que esteve, mas que não faz idéia de como chegou em casa?
E eu que achava que isso só era possível acontecer nos momentos (saudosos) de felicidade etílica... Ham. Vai nessa. Casa, trabalha, tem filho e não aparece no People, dia de domingo, pra ver o que é bom pra tosse. (Aliás, boa pergunta. O que é bom pra tosse? Sim, porque tô dando o Biosolvan que a Dra. Rita passou, mas a tosse cheia da Bia já ta quase fazendo aniversário, e não some).

Voltando ao assunto, o que quero dizer é que eu acabei o aniversário da minha filha oficialmente morta e acabada, o que pareceu um desgaste desnecessário, segundo a mulher do meu primo. “Mas você não sabia que tem pessoas que organizam essas coisas pra gente? Você só precisa aparecer na hora da festa!”
Quis chorar. Sim, eu sei. Mas não tinha 10 mil disponíveis para não ter que me preocupar. E mesmo que tivesse não sei se teria coragem de gastar tudo numa festa pra uma criança de 2 anos, que me perdoem as super-mães-vale-tudo-por-meu-filho de plantão.

Pra ser bem sincera, na minha atual conjuntura sócio-política-econômica, seria até perigoso ter esse dinheiro dando sopa. Vai que eu enlouquecia, deixava a Bia, o marido, o cachorro e o resto do mundo em casa, e fugia pra um SPA no exterior?

Tudo bem. Não corri esse risco. E mesmo tendo feito o possível para não pensar sobre o inevitável, quando tudo acabou, fiquei um tempo sentada, com as pernas pra cima e observando minha filha correr pelo jardim da casa da avó.
Tão linda, tão perfeita... e crescendo. Rápido demais, para o meu gosto. Daqui a alguns dias não vai mais nem querer que a mãe faça festinha e costure as lembrancinhas .

Saldo do dia: 8 das 10 unhas das mãos descascadas, 1 cabelo despenteado, 2 braços doloridos, 2 aulas por fazer, 4 textos para ler, 1 projeto de doutorado por iniciar, 120 lembrancinhas mal-feitas e 1 abraço apertado com direito a “eu te amo, mamãe”.

Pedi a Deus pra congelar o tempo.