domingo, 27 de junho de 2010

A festa de aniversário

“- Eu mesma vou preparar tudo”.
“- Eu posso fazer sozinha, dá tempo”.
“- Vou costurar tudo a mão”.
“- Amanhã eu começo”.
“- Se eu procurar bastante no centro, vou comprar tudo bem mais barato”

Por gentileza, alguém faça o favor de anotar aí que, da próxima vez em que eu proferir essas palavras ou quaisquer outras que lhes sejam sinônimas, podem chamar a Oprah e partir pra intervenção. Isto significa que eu estarei fora de mim, mentalmente impossibilitada de ser responsável por minhas palavras. E ações.

Explico. Tudo começou quando eu tive a infeliz ideia de fazer, eu mesma, a festa de aniversário de 2 anos da minha filha Beatriz. Tomada pelo impulso Angelina Jolie – que assume aquela imagem cool, de quem passeia pelas ruas de Toscana, perfeitamente bem, com seus 15 filhos – achei que ia ser digno ser lembrada no futuro por ter feito, sozinha, a inesquecível festa de 2 anos.

A verdade é que ninguém nos diz que atrás da Angelina deve ter umas 4 babás pra levar as bolsas, correr atrás de quem se perde e lembrar de dar a comida. Elas só não são fotografadas, tenho certeza. Já viu que quando tiram fotos da celebridade com o baby, fica sempre um pezinho ou um pedaço de braço cortado na imagem? É a babá. Certeza. Quando não vem junto o segurança e o motorista.
Nunca notaram que elas sempre passeiam livres e serelepes, segurando apenas o bebê no colo ou pela mão? Ora, e onde fica a enorme bolsa com as 3 fraldas descartáveis extras, o paninho pra secar, outro reserva, o trocador, o potinho de guardar leite, a mamadeira, revistinha, o brinquedo, a água e a roupa-de-emergência? Notaram que elas, magicamente, nunca estão presentes nas mãos das divas?
Pois é. Eu não notei. Droga! Tudo culpa da Caras. Sem Contar que fazer isso na Europa é no, mínimo, muito mais chique do que se embananar toda com mil bolsas em plena Santos Dumont.

Assim, ludibriada pelo sentimento Obamiano (“Yes, we can”) através da cruel manipulação midiática, comecei a planejar o evento. E como se já não tivesse me comprometido com o suficiente, achei por bem fabricar manualmente todos os 120 dedoches de Chapeuzinho Vermelho que seriam entregues de lembrancinha. Como se alguma criança ainda prestasse atenção a esses brinquedos educativos!

Não é preciso ser gênio pra imaginar em que estado eu me encontrei no dia da festa. Desde a noite anterior não dormia nem 5 minutos escondida no banheiro, e o que eu achei que seria uma longa madrugada de trabalho manual, transformou-se num estressante estalar de dedos. Quando menos percebi, o sol já estava alto e eu continuava costurando, cortando, colando...
Dali em diante, só tenho flashes. O bolo chegando. A decoração que estava atrasada. A mulher dos balões ligando. A Bia roubando um brigadeiro.O homem do pula-pula. E eu costurando. A esta altura, minha mãe – que tinha chegado em casa pra ajudar nos preparativos – também já estava nervosa só de contar quantos dedoches ainda faltavam, e resolveu convocar uma comitiva de guerra. Quando me dei conta, tinham, pelo menos, umas 6 pessoas que eu nunca tinha visto antes, sentadas na minha sala e sofá, colando, cortando, costurando e colocando balas nos saquinhos. Tudo rápido e sincronizado, quase uma produção em série.

Agora me diz: pra quê tudo isso? Ou melhor, por quê? Sim, pois a menos que alguém estivesse com uma arma em punho apontada para a minha cabeça, nada mais justifica tal ato insano. Só pode ser a tal da “culpa católica”, essa coisa cultural masoquista de auto-punição e sofrimento para merecer o céu (preciso confirmar essa com meu analista).

No fim, deu tudo certo. Como teria dado de qualquer forma, mesmo que eu conseguisse ter estragado tudo. E, pelo que me lembro, todos ficaram satisfeitos também. Ao menos fiz o favor de não perguntar.

Se bem que, fazendo um retrospecto de alguns momentos agora, tenho a impressão de que estive drogada a partir da metade do aniversário em diante. Sabe aquela sensação de lembrar vagamente do que aconteceu num lugar que você sabe que esteve, mas que não faz idéia de como chegou em casa?
E eu que achava que isso só era possível acontecer nos momentos (saudosos) de felicidade etílica... Ham. Vai nessa. Casa, trabalha, tem filho e não aparece no People, dia de domingo, pra ver o que é bom pra tosse. (Aliás, boa pergunta. O que é bom pra tosse? Sim, porque tô dando o Biosolvan que a Dra. Rita passou, mas a tosse cheia da Bia já ta quase fazendo aniversário, e não some).

Voltando ao assunto, o que quero dizer é que eu acabei o aniversário da minha filha oficialmente morta e acabada, o que pareceu um desgaste desnecessário, segundo a mulher do meu primo. “Mas você não sabia que tem pessoas que organizam essas coisas pra gente? Você só precisa aparecer na hora da festa!”
Quis chorar. Sim, eu sei. Mas não tinha 10 mil disponíveis para não ter que me preocupar. E mesmo que tivesse não sei se teria coragem de gastar tudo numa festa pra uma criança de 2 anos, que me perdoem as super-mães-vale-tudo-por-meu-filho de plantão.

Pra ser bem sincera, na minha atual conjuntura sócio-política-econômica, seria até perigoso ter esse dinheiro dando sopa. Vai que eu enlouquecia, deixava a Bia, o marido, o cachorro e o resto do mundo em casa, e fugia pra um SPA no exterior?

Tudo bem. Não corri esse risco. E mesmo tendo feito o possível para não pensar sobre o inevitável, quando tudo acabou, fiquei um tempo sentada, com as pernas pra cima e observando minha filha correr pelo jardim da casa da avó.
Tão linda, tão perfeita... e crescendo. Rápido demais, para o meu gosto. Daqui a alguns dias não vai mais nem querer que a mãe faça festinha e costure as lembrancinhas .

Saldo do dia: 8 das 10 unhas das mãos descascadas, 1 cabelo despenteado, 2 braços doloridos, 2 aulas por fazer, 4 textos para ler, 1 projeto de doutorado por iniciar, 120 lembrancinhas mal-feitas e 1 abraço apertado com direito a “eu te amo, mamãe”.

Pedi a Deus pra congelar o tempo.