sábado, 25 de setembro de 2010

Número dois

Antes de mais nada, o Ministério da Saúde adverte que este relato contém trechos inapropriados para os "sensíveis" de estômago e é contraindicado para se ler durante ou logo após uma refeição.

Não sei nem como começar a explicar, senão indo direto ao ponto. O cocô. Atualmente, durmo e acordo pensando em cocô. Estou quase virando uma especialista, ainda mais depois que comprei o livro da Dra.Gillian McKeith (Você é o que você come) e passei a observar cada detalhe das fezes da minha filha. Aprendi a identificar como foi a digestão e se o fígado estava sobrecarregado de gordura só pela cor, aparência e peso na fralda. Crê nisso? Passei quatro anos na faculdade de Jornalismo, dois fazendo mestrado em Semiótica para, por fim, terminar virando especialista em merda. Pensando bem, de certa forma, talvez eu já fosse - o que não vem ao caso agora.

O fato é que minha obsessão com o assunto começou ano passado, quando a Bia completou 1 aninho. Desde essa época comecei a observar que ela passava por períodos de intensa constipação, outros de diarréia. Levei a três médicos, fiz vários exames, mas nada de anormal foi constatado, nem mesmo verme. Depois de muita pesquisa e conversas com médicos, entendemos que o que ela poderia ter era a Síndrome do Intestino Irritável, que é relativamente comum nessa fase de 2 a 4 anos de idade, segundo os especialistas.

Eu mesma nunca tive esse problema. Pelo que minha mãe conta, quando eu era pequenininha(bem pequena tá, gente?),adorava brincar de massinha com o número "dois" em punhos.Pensando bem, dei informação demais, né? Aliás, em 30 anos de existência, nunca me imaginei compartilhando experiências com esse nível de intimidade. Não era exatamente esta temática que tinha em mente, quando decidi escrever para um público.

Mas enfim, como boa neurótica, li tudo o que achei sobre o assunto: de comentários em blogs até artigos científicos. Comecei a contar historinhas, cantar músicas sobre o cocô e até desenho para facilitar o processo. Ainda assim, ela tem enorme dificuldade para deixá-lo "ir embora". Não quer de jeito nenhum e sofre bastante quando percebe que vai ser inevitável.

Fico com dor no coração de vê-la chorando por esse motivo. Entretanto, pouco a pouco, ela está aprendendo a lidar com tal necessidade vital. Neste aspecto, o Activia tem sido muito bom pra ajudá-la(momento merchand). E qualquer progresso nessa área, merece minha máxima comemoração.

Quem diria que algum dia eu imaginei comemorar a saída de um cocô com "vivas", música e até dança? Se me contassem isso há uns 4 anos eu diria que era impossível! Mas confesso: até ritual da despedida nós fazemos, com direito a uma voz grossa e engraçada. "Agora eu preciso ir embora, Bia. Vou servir de comidinha pros bichinhos. Tchau, amiguinha!Até a próxima! Tchaaaaauuuu", enquanto desce pelo vaso.Pra você ver, não é a toa que dizem que a maternidade nos faz descobrir múltiplos talentos. Estou apta a concorrer ao Oscar das animações fisiológicas.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Por um parto sem culpas

Demorei em escrever sobre o assunto porque sei que é batido de dar dó, além de que divide as opiniões mundo afora, mesmo entre os amigos mais chegados. A questão voltou aqui porque percebi que precisava de temas mais populares para aumentar a audiência e comentários do blog.
Brincadeiras à parte, lembrei do assunto porque uma amiga está grávida e ainda não decidiu se gostaria de fazer uma cesária ou ter um parto dito normal. Escrevo "dito" porque embora insistam em me explicar o processo, não tem quem faça eu acreditar que uma cabeça e (pior!)ombros passando por um buraquinho que, em tese, deveria ser pequeno, seja considerado normal. Não pode ser normal, meu povo! Arranjem outro nome, façam um concurso e elejam a nova nomenclatura para esse tipo de parto, só não me venham com história de "normal". Primeiro porque, afinal de contas, o que é normal? A palavra, por si só, já levanta uma série de questões filosóficas e estereotipadas que acredito não ser a intenção de uso. Depois, isso não me parece normal sob nenhum aspecto! Nem religioso! E olha que já me disseram várias vezes: "Lígia, está na Bíblia. Eva teve filhos dessa maneira". Ok, é verdade, está na Bíblia. Mas desde quando isso é argumento? Alguém pode me garantir que, se tivesse a oportunidade, ela não teria pedido pra Adão levá-la ao Hospital Geral do Éden e chamado um anestesista para injetá-la drogas? Uma porção delas? Cá com meus botões, eu tenho a impressão de que Eva não gostou nada da história de ter de parir sentindo dor.
Podem me chamar de politicamente incorreta, mas tenho enorme dificuldade de aceitar essa bandeira levantada redes sociais afora de um mundo melhor com crianças nascidas de parto natural.Não concordo, não faria e não fiz, mas respeito a opinião e direito de cada um sentir dor pelo que quiser sentir.
Eu mesma fui linda,escovada, maquiada, depilada e de unha feita para o hospital, no dia marcado. Na mala, levei tudo o que queria, separei as lembrancinhas e ainda deu para escolher o quarto que quis ficar quando cheguei no local. Meu médico chegou na hora marcada, o anestesista (salve,salve!) também e tudo transcorreu bem. Não senti dor alguma, não sei nem o que é isso,participei do parto conversando com os médicos, vi meu obstetra puxando a Beatriz de dentro da minha barriga, beijei, abracei, chorei, posei pra foto e filmagem. Tudo perfeito como se tivesse sido organizado por um equipe de eventos. Pra mim funcionou e me fez muito feliz.
Agora o que realmente é absurdo, desrespeitoso e criminoso é quando vejo as discussões sobre o assunto que trazem a ideia de que é melhor mãe quem tem parto natural. Obviamente as palavras não são ditas exatamente deste modo, mas a ideia fica nas entrelinhas das discussões. "Me sinto muito mais mãe sofrendo as dores do parto, passando por tudo". Com todo respeito, essa é a maior asneira que já ouvi alguém pronunciar. Sentir-se mais mãe? Como assim, Bial?
Não é possível que, em pleno século XXI, ainda tenhamos de conviver com a ideia absurda e retrógrada de que o sofrimento nos faz melhores. Melhores mães, pais, amigos, namoradas, cristãos. Já disse isso em outro post, mas esse ranso de culpa católica, de que temos de sofrer e sentir muita dor para merecer o céu é o que acaba com a nossa sociedade ainda patriarcal, escravocrata e alienada. É o que aprisiona milhares de mulheres em relações infelizes porque leram em algum folhetim que, se aguentarem o tranco, terão a recompensa final.
A meu ver, a maternidade não tem absolutamente nada a ver com o que se sente. Se dependêssemos disso, o que diríamos dos momentos de stress: você com TPM, enquanto a criança chora, o outro briga com o irmão, o marido reclama do dinheiro e o chefe liga cobrando aquele relatório pra ontem? Aposto que nenhuma mãe "sente" amor profundo e realização num momento como este. O que é absolutamente normal.
O que precisamos entender é que ser mãe é, antes de qualquer coisa, uma decisão racional. Diz respeito ao compromisso estabelecido com aquela criança de lhe dar amor, carinho, afeto, limites, broncas, educação, apesar da variedade de sentimentos que vamos experimentar ao longo da vida. Dessa forma,não temos de ter sofrido dor física alguma para assumirmos essa função. É o que fazem as mães adotivas, por exemplo. Tão mães quanto qualquer outra.
Acredito que o importante é a vontade de assumir o compromisso com o outro.Parindo em casa com a parteira, na água que nem a Gisela Bündchen, no hospital sem anestesia, com anestesia... São tantas possibilidades que chegamos mesmo a esquecer que, no final das contas, quem vai dar a última palavra é a criança, que pode supreender o mais organizado dos planos e resolver nascer, só de mal, do jeito que a gente não esperava.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Tempos líquidos

Essa semana levei para os meus alunos um dos filmes que mais marcaram minha infância: Cinema Paradiso. O interessante de vê-lo novamente foi perceber toda uma construção de novos sentidos, de modo completamente diferente da 1a. vez que vi a película, ainda criança. Desta vez, o que não consegui tirar da cabeça foi a conversa de Alfredo com Totó, quando este já não é mais criança e começa a amadurecer. Alfredo diz que Totó precisa ir embora, precisa viver, experimentar o mundo, e que não deveria olhar para trás."Daqui por diante, não quero mais falar com você. Quero ouvir falar de você", diz Alfredo.
Ah, que difícil criar um filho para o mundo. Deixá-lo ir, sem cordão umbilical nem nada, sozinho, responsável pelos próprios acertos e erros...
Assistir o filme novamente só me fez enxergar essa relação pai-filho de um modo completamente inesperado. Além do que, me levou a pensar no momento quando chegar a minha vez de dizer:"Vá".
Hoje, só de imaginar, fico com um nó na garganta e um monte de perguntas na cabeça:"Será que fico assim por que é a Bia quem ainda precisa de mim? Ou eu que preciso dela?"
Ontem mesmo quis colocá-la no braço, mas recebi em troca um dedinho apontado pra cima e uma vozinha dizendo: "Não, mamãe. Eu não preciso de braço, eu já sou uma criança".
Na hora ri, mas confesso que por dentro fiquei arrasada.Entre um punhado de fraldas e algumas aulas, mal percebi que 2 anos já se passaram desde que aquela pequena rosadinha nascera.
E aí foi que percebi como o tempo, de fato, é líquido. E como é difícil estar no papel daquela que educa, ama e, ao mesmo tempo, deixa livre.
Confesso que antes de ter filho julgava ser tudo muito mais simples, até mesmo porque não tinha a menor afeição com o universo infantil. Já hoje tenho de lidar com a dificuldade de deixar minha filha crescer sozinha, mas fazê-la entender que estarei por perto quando ela precisar. Como quando ela anda de bicicleta, e eu fico com a mão atrás, sem encostá-la.
Sentei no sofá e acho que Beatriz percebeu meu desapontamento. Ela se aproximou e estendeu as mãos. Dei um abraço apertado e perguntei se ela podia ser criança e, ao mesmo tempo, a minha bebê. "Pode", ela respondeu. Por enquanto foi um consolo.