sexta-feira, 30 de julho de 2010

Livrai-nos de todo o Mal

Minha mãe costumava dizer que não tem nada pior do que ver o filho doente, com aquela carinha desconsolada, desanimada, sem vontade de ao menos implicar com alguém ou fazer uma mal-criação.

Quem é mãe sabe como as cenas se desenrolam quando os primeiros sinais de resfriado ou gripe apontam naquele rostinho indefeso. O nariz começa a escorrer, os olhinhos vão ficando avermelhados e o paninho se torna o melhor companheiro. A minha faz manha, pede colo, choraminga, quer dormir nos meus braços e passa o dia com a mamadeira do lado.

Eu não ouso reclamar. Passo a madrugada em claro, se for preciso, e durmo com ela ao meu lado, para me certificar de que estarei presente em todos os momentos, conferindo cada temperatura.

O fato é que quando se trata de um desses resfriados corriqueiros, por maior que seja a preocupação dos pais, transita-se por uma área invisível de segurança, assegurando que tudo está sob controle. Afinal de contas, ainda que gripados, eles estão ali, debaixo das asas da mãe, tratando de protegê-los de todo o mal do mundo.

Complicado mesmo é quando essa mãe e esse pai não conseguem fazer isso.

Nessa semana que passou, acompanhei pela TV a exposição quase cinematográfica (oxalá tivesse sido apenas um filme) da morte de um jovem de 14 anos que estava voltando para a casa com o pai e foi baleado na nuca por um policial do Programa de Segurança Pública do Estado, o Ronda do Quarteirão.

Chorei muito ao ver aquela cena dramática do pai abraçado ao corpo do filho estendido no chão, chamando pelo nome dele. Um homem impotente, desesperado, absorto em sua dor infinita e que mal podia compreender o que se desenrolava a olhos nus.


Não me interessa se a culpa foi do policial mal-preparado, do Secretário de Segurança incompetente ou do puro descaso do Governador. O que me tocou profundamente foi constatar que aquele homem nunca mais voltaria a ver o rosto do seu filhinho rindo, chorando, com raiva, com vergonha, sono ou de qualquer jeito que fosse, mesmo doente. E isto, por si só, já me pareceu absolutamente insuportável e surreal, como se de repente o oxigênio sumisse do planeta Terra e não fosse mais possível respirar.


Eu conheço aquela rua em que o crime aconteceu, havia passado por aquele mesmo asfalto não havia nem 2 horas antes do ocorrido e agora, um dia depois, me via chorando pela dor que poderia ter sido a minha e que era de outro. Nesse momento, não tive como não reconhecer o mesmo olhar de desespero que já havia visto antes, em meus próprios olhos, quando pensei que tinha perdido minha filha, quase 2 anos atrás.


Quando completou exatos 4 meses, Beatriz teve algumas crises inexplicáveis de convulsões. Ela tinha ido a uma consulta de retorno à médica pediátrica por conta de um refluxo e eu não pude levar-lhe porque estava dando aula na faculdade. No entanto, nem bem iniciara o trabalho, minha mãe e meu marido ligaram e pediram que eu fosse o mais rápido possível para o consultório médico, porque segundo eles, minha filha não estava se sentindo muito bem. Fiquei nervosa com a forma como haviam dito aquelas palavras e o mais rápido que pude, dirigi-me ao encontro deles. Quando lá cheguei, vi minha bebezinha chorando initerruptamente nos braços da avó. Tomei-a para perto e perguntei a todos na sala o que tinha acontecido. Foi então que a médica explicou que Beatriz estava em crise de convulsões. Meu coração quase parou naquele instante e o relato que conto a seguir são trechos dos momentos que consigo me lembrar.

Fomos ao hospital às pressas: minha mãe dirigindo e eu atrás com a Bia no colo. Enquanto ela cortava sinais e tentava chegar ao local, minha atenção era fixa no rosto de minha filha que revirava os olhinhos e tremia os bracinhos todos rígidos, enquanto chorava, como se pedisse ajuda. Aquilo me doeu como jamais nada doera tanto e minhas lágrimas eram todas insuficientes.

Sendo assim, lembro que abri a porta do carro enquanto um sinal teimava em se manter no vermelho e instintivamente corri em direção ao hospital, carregando minha bebê nos braços, pelo meio da avenida. Talvez tenha atravessado na frente de carros que buzinaram ou passado por pessoas atônitas com a situação inusitava para um trânsito caótico do meio-dia, mas honestamente não poderia dizer que percebi qualquer uma dessas cenas. Apenas corri, o máximo que pude, o mais rápido que consegui.

Entrei no hospital e entreguei Beatriz, meu bem mais precioso, aos médicos da emergência. Com esforço, conseguiram me manter do lado de fora da sala, enquanto tomavam as providências necessárias para tentar salvá-la e evitar que um dano cerebral se instaurasse de forma irreversível.

Ao final de tudo, ela voltou ao normal, ficou internada por alguns dias, fez inúmeros exames tomográficos, mas nada apontou a causa daquele episódio que, graças à Deus, não deixou nenhuma sequela.

Esta é a primeira vez que conto em detalhes e me permito reviver todos os sentimentos que tomaram conta de mim naquele dia de aflição. Por ter sido traumático, procurei evitar o contato com aquelas lembranças que, ainda que viva 150 anos, jamais sairão da minha cabeça, para o bem e para o mal.

Mas hoje, no entanto, fiz isto para lembrar-me de que foi naquele dia que descobri e testei a imensidão de amor que tenho por minha filha, em meio a dor e ao medo de perdê-la. E é por isso que, de alguma forma, senti-me cúmplice, ainda que numa proporção infinitamente menor, da dor daquele pai que nem sequer conheci.

De todo minha alma, desejei que ele não tivesse de passar por isso. Nem ele, nem ninguém. Com os olhos baixos e em meio às lágrimas que escorriam, fui ao quarto da Beatriz, ajeitei o paninho ao lado daquele rosto angelical dormindo, dei-lhe um beijo na testa e me ajoelhei. Mesmo sem nem lembrar quando tinha sido a última vez que tinha feito esta oração,falei o que meu coração pediu:
"Pai Nosso que estais no céu, santificado seja o Vosso Nome, venha a nós o Vosso reino e seja feita a Vossa vontade, assim na Terra como no céu. O pão nosso de cada dia nos dai hoje,perdoai as nossas ofenças, assim como nós perdoamos quem nos tem ofendido. Não nos deixei cair em tentação, mas livrai-nos de todo o Mal"

quinta-feira, 15 de julho de 2010

No escurinho do cinema

Desde o dia em que minha filha nasceu, aguardava este momento chegar. Talvez até com mais ansiedade do que esperei pelos primeiros dentinhos ou passos. Por vezes pensei em forçar a barra, mas quando olhava para aquela bebê ainda inapta a lidar com o ambiente escuro e barulhento, acabava desistindo. Realmente podia assustar, então sempre ficava para uma próxima oportunidade.
Mas eis que o dia havia chegado. Na terça-feira, dia 13 de julho de 2010, levei minha filha pela primeira vez ao cinema. Para além do fato de que levá-la para conhecer algo novo já seja, em si, fantástico, neste caso a emoção era ainda maior.
Em primeiro lugar porque eu sou absolutamente apaixonada pelo cinema. Não me refiro nem aos filmes que passam por lá, mas ao lugar mesmo, entende? É a química do cheiro de pipoca misturado com ar condicionado e bombom, o friozinho gostoso que dá vontade de levar um casaco, a poltrona, a tela grande, o burburinho das pessoas chegando... Ah, o cinema...
Costumo ir toda semana. De preferência sozinha e, de preferência, num horário pouco movimentado. O motivo é um só: tenho ciúme dele. Queria ter dinheiro para reservá-lo só pra mim, mas como não posso, tento evitar o encontro com outras pessoas no recinto. Lá, me sinto numa terapia. O ambiente é, ao meu ver, extremamente facilitador à entrega, portanto é isto que faço: visto a carapuça e sou capaz de rir bem alto ou mesmo chorar copiosamente.

Depois, o cinema é pura nostalgia em minha vida. Impossível lembrar da infância e não ter flashes da cadeira vermelha do Cine São Luís, os grandes lustres ou o segundo andar com parede de vidro, que eu achava que era feito especialmente para quem não sabia ler e precisava de um tradutor ao lado. Só muito tempo depois fui saber que, na verdade, aquele era um ambiente reservado aos fumantes,imagina.
Na memória mais remota que tenho da minha ida ao lugar,está meu pai e eu, no segundo andar, assistindo História sem Fim. Eu tinha 5 anos e não sabia ler. Assim, meu pai passara boa parte da exibição traduzindo cada palavra. Digo boa parte porque assim que o Homem de Pedra entrou em cena, abri o berreiro e quis ir embora.

Sendo assim, minha mão suava frio enquanto conduzia Beatriz, pela primeira vez, rumo à Sala Mágica. Procurei ficar quietinha para não perder nada daquele momento, nenhuma reação. E logo na entrada, ela gritou de felicidade: "Olha, mamãe! Tá escuuuro!"
Escolhemos nosso lugar, acomodamos nossa pipoca e refrigerante, e esperamos O Shrek aparecer. Os olhinhos da Bia nem piscavam. Ela estava encantada com o tamanho da tela e não parava de me apontar tudo que encontrava: "Olha mamãe, olhaa".
Eu olhei. Vi enquanto ela observava a quantidade de gente sentada em cadeiras enfileiradas, o jeito como ela ria, mesmo sem saber o motivo, só porque as outras pessoas assim o faziam, e a forma como, avidamente, colocava a mão dentro do saco de "picoca" (sic Bia) quase do tamanho dela.
Agora, claro, como meu relato não é filme de ficção, nem tudo foi perfeito. A paciência dela durou até o final do saco de pipoca (entendeu agora o tamanho grande?), o que representa mais ou menos 1 hora e 10 minutos de filme. Assim que a comida acabou, o cinema também. Pelo menos pra ela.
"Se levanta, mamãe. Vamos?", ela pediu, estendendo o braço. "Tudo bem, filha. Se pra você foi o suficiente, pra mamãe também foi. Mais do que suficiente", disse enquanto segurava na mãozinha dela e a conduzia para fora, feliz da vida.

domingo, 11 de julho de 2010

Quem pariu o Mateus, que o balance!

Fui convidada para a festa de aniversário de um amigo e, tão logo aceitei o convite, peguei o calendário mais próximo e comecei a contar os dias. Uma amiga que estava comigo no momento não entendeu minha reação e perguntou: “Mas o que é isso? Você é convidada para um aniversário e depois vai contar dias no calendário?” Pensei em explicá-la a importância crucial do que estava fazendo, mas limitei-me a ser específica: “Estou vendo quando é a próxima folga da babá”.

Para minha infelicidade, ela estaria de folga. Olhei pro sofá e vi a Bia com uma canetinha preta prestes a fazer uma obra surrealista no braço do estofado. Respirei fundo e tentei racionalizar:“Ok, Lígia. Tudo bem. Você é adulta, tem um 2 braços e 2 pernas... outros já fizeram isso antes. Não pode ser tão complicado assim!”

E pra ser sincera, foi bem mais fácil do que eu imaginei. Os amigos e conhecidos que sabem da minha não-aptidão com o universo infantil, ficaram chocados com as cenas que foram, inclusive, fotografadas e filmadas. Sentei no chão de roupa nova e nem liguei (bom, talvez um pouco), para brincar de massinha com umas 10 crianças diferentes. Por fim, dei banho de mangueira na Bia e nas outras amiguinhas, que saíam correndo pela grama verdinha dando gargalhadas até cair no chão.

No final das contas, eu também me diverti. Ver a Beatriz sorrindo não tem preço, mas confesso que tive que trazer do fundo do baú o melhor de mim, e que essas cenas só serão repetidas daqui a 4 anos, que nem Copa do Mundo. Mesmo assim, admito que continuo achando as conversas em “roda de mães” o que há de mais sacal no universo, e que discutir a melhor linha educacional das escolas me dá tanto ânimo quanto comprar carne no açougue. Prefiro mil vezes falar do último desfile do Lino, de um lugar que quero conhecer ou até da disputa presidencial, juro.

Mas antes que eu pareça uma mãe desnaturada, digna da intervenção do estado, gostaria de esclarecer o contexto. Definitivamente, não nasci com um instinto maternal aflorado de propaganda da Johnson´s, não tenho paciência para brincar com as crianças dos outros e, até me descobrir grávida, não tinha nem muita certeza de que gostaria de ser mãe.
Sobre este último aspecto, parece que a decisão não estava plenamente tomada – assim diria Freud – do contrário seria impossível ter engravidado, por motivos ligeiramente óbvios.

Aliás, num desses programas televisivos de exposição das mazelas nos relacionamentos, a psicóloga contratada para falar bonito às câmeras dizia que o próprio fato de se esperar um bebê já era indicativo de que, em algum lugar, no mais profundo do ser, havia esse desejo. Mesmo inconsciente.

Lembro que na época fiquei em dúvida se ela tinha razão, até porque confesso que mesmo grávida não me vi aproveitando os meses da gravidez com magia, delicadeza e encantamento. Enjoei quase todos os dias das 39 semanas que a Beatriz ficou dentro de mim, senti-me doente, com o corpo dolorido a maior parte do tempo e trabalhei feito uma condenada porque só pensava nos gastos com a escola, babá e fraldas. Não vou nem mencionar o quanto me senti ridícula com aquela barriga que esbarrava em todo lugar.

Para completar, acredito que coloquei por terra o mito da mulher grávida com desejos. Primeiro porque afirmo, sem sombra de dúvida, que isso é frescura. Simples assim. Honestamente, sempre desconfiei de que essas vontades inexplicáveis não faziam muito sentido, mas como nunca tinha esperado um bebê não tinha como ter certeza. No entanto, quando fiquei grávida da Beatriz, percebi que maior do que qualquer desejo específico, o que sentimos mesmo é muita carência e necessidade de atenção. Aí já viu, juntou a fome com a vontade de comer. Uma grávida qualquer deve ter tido essa ideia há muito tempo atrás, percebeu que dava ibope com o marido dizer que queria comer alguma combinação exótica, e pronto. Como nenhum homem vai poder dizer que a mulher está mentindo, já viu, virou tradição que dura até hoje.

O fato é que, por vezes, lido com a maternidade de um jeito diferente das outras mães que conheço. No início, isso me preocupou bastante, tanto que eu ficava feito louca, tentando ler e me informar sobre tudo, para que não deixasse de oferecer à minha pequena nada que fosse essencial para a formação dela. Tinha medo, por exemplo, de que por não ter colocado música clássica para a minha filha escutar enquanto estava na minha barriga, ela fosse ser mais infeliz, sei lá. Ou se eu não comprasse o melhor móbile da marca mais cara do mercado, ela não seria capaz de se desenvolver corretamente.

Eu sei, são neuras. Mas sei disso hoje, quando ela tem mais de 2 anos. Ainda bem que percebi, em tempo, que o tal do instinto maternal é algo que parece ser muito mais individual e particular nas próprias características, do que se divulga por aí.

O meu, por exemplo, me dizia que niná-la com Like a Virgin, ao invés de Boi da Cara Preta, era muito mais legal. Ou que não levá-la para um espetáculo dos Backyardigans, cujo ingresso custa 150 reais, não vai fazer dela uma pária da sociedade.

Não sei, mas tenho a impressão de que a palavra instinto carregue, em si, um certo exagero semântico, perdoado somente pela licença poética que envolve a maternidade. Por via das dúvidas, prefiro acreditar no Pequeno Príncipe, que desde que eu era criança, tinha me alertado sobre a chave da questão:responsabilidade. Aquela, sobre tudo o que cativo.Lembram?

domingo, 4 de julho de 2010

Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais

A mais nova mania da minha filha de 2 anos é acordar no meio da noite, sempre depois das 3 horas da madrugada, para brincar. Não é dor, insônia nem preocupação com os novos rumos da economia.
Não sei...imagino que certo dia ela deve ter despertado nesse horário, por qualquer outro motivo, e pensado: “Ei, agora é um bom momento para brincar. O clima é ameno, fresquinho, eu não estou cansada e a mamãe está no mais profundo sono...Perfeito! Posso acordá-la! Ma-mãaaaaaaeee!!!”
Antes que alguém pense em me sugerir dar brinquedos para que ela se entretenha sozinha, adianto: eu já tentei. No entanto, ela parece estar na fase dos “terríveis 2 anos”, como diria a Encantadora de Bebês (momento “merchand”), e faz questão de que todos na casa participem da incrível jornada da madrugada.
O pai alega que nunca a escuta chamando, o que desperta em mim sérias desconfianças dessa queda em sono profundo, convenientemente acionada como um chip programado geneticamente para agir depois que o primeiro filho nascesse.
O irônico disso é que eu sempre achei que este seria o meu comportamento como mãe, já que não me imaginava segurando um bebê no colo antes dos 40 anos. Podia jurar que teria muita dificuldade de sair dos braços de Morfeu para atendê-la quando ela acordasse com fome, dor ou qualquer outro problema.
Ledo engano. Primeiro porque as palavras “farra” e “filha” parecem não mais existir na mesma sentença, pelo menos não na minha vida. Segundo porque, gostando ou não, descobri mais uma das mudanças estranhas pelas quais toda mãe parece passar depois que tem filhos – além de começar a gostar do Roberto Carlos – mas não conta a ninguém: não consigo mais dormir em sono profundo. Nem que eu queira e me esforce muito.
Não consigo ignorar o chamado daquela “vozinha” gritando meu nome. Até poderes telepáticos e premonitórios acredito que já comecei a desenvolver, porque sou capaz de escutá-la mesmo que um trio elétrico esteja passando ao meu lado. Juro que já aconteceu até de acordar no meio da madrugada porque achava que ela precisava de mim, e em seguida ela chorar.

Na semana passada, depois de tê-la colocado na cama pela enésima vez, tentei uma nova tática. Acordei (óbvio), mas fiz de conta que não tinha ouvido nada, e nem me movi da cama. Acreditava que isso seria o bastante para destituí-la da ideia fixa de procurar um dos sapatinhos da Cinderela e levá-la para dançar com o “Pimpe”(versão de Beatriz para “príncipe”) no baile às 3:33 da madrugada. Preciso assim.

Aliás, peço licença nesta parte para abrir um parêntese e comentar algo que ainda estou em dúvida se é algum aviso do final do mundo ou apenas TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo). Sempre que acordo e olho para o relógio, vejo números repetidos, tipo: 2:22, 3:33 e por aí vai. Não faço ideia do que signifique e espero que não seja nada catastrófico, porque honestamente ando tão cansada que falta coragem até pra ficar com medo.

Voltando ao assunto “Bia e o sapato da Cinderela”, de nada adiantou ignorar o chamado. Ainda pensei em explicar que já fazia algumas horas que a princesa tinha se transformado em doméstica novamente, mas fiquei cansada só em elaborar esse raciocínio.

Antes mesmo de pensar no que fazer, senti um dedinho gelado abrindo meus olhos, enquanto uma voz dizia baixinho: “Acorda, mamãe”. Tive vontade de rir e chorar, ao mesmo tempo.

Muitas negociações depois – que envolveram, inclusive, a mediação do difícil empréstimo do sapato de Ariel para Cinderela e três histórias da Moranguinho– fomos todos dormir. Pelo menos pela próxima hora, quando já exausta, deixei-a dormir na nossa cama. Por favor, sem comentários.

Ok, sei que perdi o controle. Não deveria ter cedido, afinal “como posso impor limites dessa forma?”, você deve estar se questionando. Sim, tem razão...tem toda razão. Mas quer saber? Desculpem-me as educadoras de plantão – aliás é melhor nem continuar lendo esta crônica – mas nesta hora mandei a Super Nanny pra-casa-do-cara-le-o. Poxa, sou apenas uma latino-americana tentando sobreviver!

Uns dias depois meu pai vem em casa visitar a neta e pergunta como ela está se comportando. Respondo que ela está bem, então ele vê minhas olheiras e pergunta de novo. Respiro fundo e começo a explicar que já tem algumas noites que ela não me deixa dormir porque quer brincar, que é tudo muito difícil e que não me sinto preparada para tantos desafios, quando ouço meu pai cair na gargalhada.

“Não entendi”, digo contrariada. “Você está rindo porque não é com você”, disparo, mal-humorada. Foi nesse momento que, gentilmente, ele me lançou um olhar terno, daqueles que só os pais conseguem dar aos filhos quando estão lhe ensinando algo, e me disse com ternura: “Que bom ela não ter lhe deixado dormir porque queria sua companhia para brincar, minha filha. Veja bem, o tempo passa rápido. Você poderia estar sem dormir porque é madrugada e sua filha ainda não voltou pra casa. Ou pior, porque é madrugada, ela ainda não voltou pra casa e nem quer que você fique acordado esperando ela chegar. Já pensou nisso?”

Abaixei a cabeça e nem uma palavra saiu mais da minha boca. Naquela noite, quando minha filha acordou, acendi a luz e brincamos de princesas.