domingo, 29 de agosto de 2010

Você é grande?

Quando eu era criança, passava boa parte do tempo falando sobre o que faria quando fosse grande, brincando com os sapatos da minha mãe para parecer mais alta ou esticando meus braços e pernas porque uma prima, mais velha que eu quatro anos, garantiu que era “tiro e queda” para crescer.

A receita não deu muito certo, apenas câimbra nas pernas. No entanto, as lembranças que tenho de quando sonhava em ser bem alta, ainda são coloridas na minha cabeça: “Liginha, você tem que ir dormir logo para poder crescer. Quem dorme bastante, fica grande logo”, minha mãe dizia. Palavras mágicas. Eu pulava na cama e ficava numa ansiedade doida pra chegar o dia seguinte. Assim que amanhecia, corria pra parede com um lápis na mão. Lá marcava a minha nova altura, esperando o dia que alguém ia chegar e dizer: “Muito bem, agora você é grande”.

Contei pra minha filha a história e agora também marcamos, com um lápis, a altura dela na parede do quarto. Com data e tudo. Ai de quem tentar apagar!

Isto porque, ultimamente, a Bia começou a se interessar por essas questões. E faz um monte de perguntas. Outro dia, no caminho pra escola, ela começou: “Mamãe, você é gandi (sic)?” Do alto dos meus 1m60cm, lembro que um dia jurei ser sincera quando tivesse um filho e ele começasse a me fazer milhões de perguntas. Então, respondi: “- Sou, filha”. “A babá é gandi?” “-É, filha”. “O papai é gandi?” “É, filha”.
Parecendo satisfeita, ela se calou. E eu acho que ela esqueceu o assunto. “Ótimo”, pensei.

Daí a uns segundos – cinco ou seis – ela continuou, agora com a Síndrome do Pelé (falando tudo em terceira pessoa): “A Bia é gandi?”. Enquanto dirijo o carro, olho pelo retrovisor aquele rostinho questionador, com a sobrancelha franzida de quem realmente espera uma resposta e penso no que dizer. Finalmente cedo e tento dar o meu melhor:
“Se você é grande? Depende do referencial, filha. Perto da Clarice, sua amiguinha do prédio, você é grande, porque ela ainda é um bebê e é menor que você. Já em comparação à mamãe, você é bem pequenininha. Mas se a mamãe ficar perto do papai ou mesmo do tio Dudu, por exemplo, ela vai ser pequena e eles vão ser grandes”, expliquei.

No entanto, sentindo-me insatisfeita com a complexidade da questão, paro no sinal vermelho, olho pra ela e abro meu coração: “Olha, filha, crescer é algo que envolve uma maturidade emocional e espiritual enorme. Envolve até mesmo uma questão de generosidade e solidariedade com os outros. São poucas as pessoas realmente grandes”.

Ok. Eu sei que ela não entendeu nada do que eu disse. Mas achei que era importante falar, vai que alguns conceitos ficam registrados no subconsciente e depois afloram, vai saber.
Tudo ficou em silêncio. “Deu certo”, eu pensei. Até que não era tão complicado responder as perguntas de uma criança. “Elas são incompreendidas porque ninguém tem paciência de explicar o que quer que seja de uma maneira honesta e franca. Se fizessem isso, seria o bastante”, concluo, já imaginando os cursos que poderia ministrar a outras mães na mesma situação.
Chegamos à escola, pegamos a mochila e vamos andando até a sala de aula. Na portinha de entrada da sala, ela me dá um beijo e solta minha mão. Já vou saindo, quando ela me chama: “Mãaae”. “A vovó é gandi?”