terça-feira, 8 de março de 2011

Para aquela que ainda nem sabe que é mulher

Filha,
hoje é o dia 08 de março. Na TV, a Ana Maria Braga (uma apresentadora de programa de culinária que a mamãe assiste "de vez em quando") faz homenagem às "guerreiras" do Brasil. No outdoor da rua(outdoor era um veículo de mídia muito usado em 2011), uma marca de perfume popular lembra a mãe, esposa e namorada na data especial. Na esquina da nossa casa, o florista tenta ganhar algum dinheiro com o feriado, suponho eu que sem nem saber muito bem o porquê de tal comemoração.
No caminho pro almoço na casa da sua avó, lhe expliquei que hoje era o dia das "meninas". Você me perguntou o por quê. Lembra? ...Claro que não, estou só pensando alto.
Fiquei o dia inteiro pensando nessa pergunta, tentando encontrar palavras para lhe dizer o que penso dessa comemoração e o que desejo a você, minha bebê, que hoje ainda está descobrindo as diferenças entre o "pipiu" das meninas e o dos meninos.

Ah, filha, logo logo você vai perceber que as diferenças entre os gêneros são bem maiores que apenas o tamanho e formato de uma genitália. Vai descobrir, entre outras coisas, que não é o fato de ser homem ou mulher que a faz melhor, mais capaz ou mais especial, mas a pessoa que cultivou ser ao longo de muitos anos.

Quando se tornar uma mulher, torço para que você nunca tenha de levantar bandeiras para receber tudo aquilo que lhe deveria chegar por mérito ou graça divina. Que os salários desiguais, o desprespeito, a violência e o machismo que desde sempre milhares de mulheres tiveram de enfrentar, sejam apenas termos obsoletos que o tempo levou e que não fazem mais sentido.

Desejo, filha, que você se torne uma mulher sábia, para identificar com clareza os própósitos e ideais de vida que lhe serão apresentados. Honesta, com você e com os outros, para que não perca de vista os conceitos de respeito e civilidade.

Desejo ainda que seja uma mulher leal aos princípios que possui e aos amigos preciosos que Deus lhe conceder pelo caminho. Coragem, para seguir em frente desbravando as improbabilidades da vida, ainda que esteja morrendo de medo para fazer isso. Persistência, para que não permita, por nenhum segundo, que outra pessoa ou você mesma seja capaz de lhe fazer desistir de tudo o que acredita e busca.

Por fim, lhe desejo doses extras de muito bom-humor, para que aprenda a dar risada de si mesma e tenha o privilégio de enxergar a graça por trás dos detalhes da sua rotina.

Com isso, não pretendo desmerecer as características que nos são próprias. Muito pelo contrário, espero que você tenha muito orgulho de tudo aquilo que faz de nós singulares. Desde o sexto sentido apurado que acredito piamente nos ser exclusivo (melhor manter isto entre nós,ok?) até as complexidades emocionais e hormonais que nos deixam "ligeiramente" alteradas em determinadas épocas do mês.

Mas se por acaso achar tudo isso uma grande frescura e falta-do-que-uma-mãe-emotiva-fazer, que guarde apenas duas coisa:
1.Seja incansável na busca pela sua felicidade, esteja esta dentro de uma igreja, no comando de uma grande multinacional ou mesmo entre a arrumação da casa e a preparação do jantar.
2.Prefira sempre comprar alimentos orgânicos.

Feliz Dia. Mamãe te ama, beijos.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Olha quem está falando!

Com biquinho na boca, rostinho se revirando de um lado para o outro e uma voz arrastada, ela começa: "Mamãaaaae, por favor, vai. Por favor, por favor, por favor..."

Nem lembro exatamente o que ela queria, mas fiquei extremamente chocada em ver uma criança de apenas 2 anos apelando de modo tão elaborado. E agora é assim, toda vez que ela quer me pedir alguma coisa que ela sabe que, em princípio eu vou recusar fazer ou dar, o "charminho" começa. Os olhos franzem, o bico da boca surge,as mãozinhas ficam me fazendo carinho e ela começa a lábia.

Pior é que eu não tinha me preparado para essa nova técnica. Tinham me falado bastante dos ataques de fúria no chão, os "esperneios" (existe essa palavra?) e os choros de birra. Tanto é que, como boa neurótica, já tinha lido tudo a respeito, feito cursos à distância etc. Considerava-me extremamente preparada para o ataque eminente da pequena enfurecida.

Agora o que ninguém me disse é que, de repente, sua filha poderia ser bem mais esperta que isso e descobrisse, aos 2 anos, que a verdadeira arma de manipulação humana sempre foi uma só: o poder da comunicação. Não é a toa que chamam o jornalismo de "4o. poder". E como eu ia adivinhar que o segredo do meu sucesso de mãe dependia das aulas da faculdade que provavelmente eu faltei para ir à praia?

Engraçado como as crianças (em especial as meninas) mal aprendem a andar, balbuciar as primeiras palavrinhas e, de repente, enquanto você bebe um copo d´água na cozinha, já são experts nas estratégias de manipulação do discurso.

A minha pequena sabichona, quando está "grandona" (digo "está" porque, como já expliquei anteriormente, ela vive em crise de idade e muda de faixa etária com mais frequência que um bipolar em tratamento)fala comigo usando cada termo que não dá pra acreditar. Esses dias mesmo, depois que eu perdi a paciência e levantei a voz, ela reclamou:" Calma, mãe. Fique calma. Não fale assim comigo, Ligia Sales". Perdi o rebolado.
E quando eu descobri que a tática de colocá-la pra dormir - dizendo que também iria descansar - não funcionou mais? Assim que me viu sentada no sofá da sala assistindo a novela, disparou: "Você tá de brincadeirinha comigo, né mãe? Isso que você fez foi mentirinha, viu? Você me enganou".
Não sei como foi isso. Juro por tudo que não sou mãe relapsa, não. Mas é fato que elas começam a falar desenroladamente de uma noite para o dia. As frases agora são mais complexas e mostram toda uma linha de raciocínio que antes não existia. "Incrível isso!", diria ela.
Até a babá fica espantada com os diálogos de Beatriz. No dia em que a mesma se recusou a dar um saco de salgadinhos para a pequena, a Bia disse com os olhos baixos: "Estou muito desapontada com você, babá. Agora preciso ficar um pouco sozinha."
Não sei se fui premiada com uma linda-menina-precoce-e-inteligente, mas eu confesso que fico meio perdida, sem saber como responder a algumas das situações. Por ora, resolvi mudar de literatura. Troquei "O desenvolvimento do seu bebê até os 3 anos", pela "A arte da manipulação".
Me desejem sorte.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Complicada e perfeitinha

No caminho para o trabalho, em meio a um trânsito caótico com motoristas impacientes, o celular toca. É minha mãe. Atendo. Antes mesmo que pudesse explicar que estava dirigindo, ela começa a falar. Parece séria, diz que vai fazer uma reclamação e inicia o discurso.
Segundo a denúncia, a Beatriz está muito chata, não quer mais dar abraço, carinho e ainda por cima disse que prefere brincar com a babá que ela só conhece há 48 horas do que ficar com a avó.
Respiro fundo. O conteúdo me soa tão hilário que mal consigo levar a sério. Ela não se faz de rogada e declara: "Se ela não quer saber de mim, eu também não vou querer saber dela!" Pausa na ligação. Juro que não aguentei. Caí na gargalhada. A frase foi tão absurda que, assim que se ouviu dizer essas palavras, ela também começou a rir.
"Mãe, você jura que vai se trocar com uma menina de 2 anos?", perguntei, no momento em que retomava o fôlego para me concentrar no trânsito (atenção: não façam isso! Direção e celular não combinam!)
Enquanto esperava uma carreta sair do prego e o trânsito finalmente se mover alguns centímetros, tive uma longa conversa com minha mãe, tentanto explicar que essa atitude é muito comum nessa faixa etária e que na verdade, ela só está tentando chamar a atenção de quem ama.
Não sei se ela se convenceu por completo da minha explicação, mas disse que sim.
O pior é que, de certa forma, nem eu me convenci direito do que acabara de dizer. Não podia colocar mais lenha na fogueira, mas realmente a minha doce Bia vem atravessando uma fase,digamos, um tanto quanto complexa. Há alguns psicólogos que alegam ser uma espécie de "adolescência" na infância. De fato, parece com isso. Num período de 24 horas, ela é capaz de oscilar entre querer ser "grande" e dizer que é bebê, pedindo colo. Diz que quer carinho, mas em seguida recusa qualquer abraço. Eu fico confusa, o pai também e acredito que ela mais ainda!
Antes que a família inteira surtasse, comecei a ler alguns artigos e livros sobre o assunto, certa de que alguém me apontaria a solução mágica para transformar a minha pequena-confusa-adolescente-bebê em uma criança doce e comportada, como as do comercial de telefone celular.
No entanto, o único conselho que encontrei, em resumo, foi: senta e espera passar. Simples assim. Pode Arnaldo?
É, parece que pode. Afinal, qualquer um de nós passa pelas mesmas inconstâncias. Uns mais e outros menos. Ou não? Eu, por exemplo, de vez em quando me comporto feito uma adolescente querendo ganhar o mundo. E se ficar gripada, automaticamente viro bebê de colo e tenho uma necessidade quase instintiva de gritar pela minha mãe (e às vezes grito, viu?).
A questão é que eu pensava que essas crises de identidade só vinham depois, com uma certa maturidade. Pelo visto, eu estava enganada.
Fiquei tentando imaginar como minha filha de 2 anos e 8 meses se sente. Talvez pudesse ser mais ou menos assim (com tecla sap para adultos): "Pô, mas que merda!Eu não posso andar de patins e nem de skate porque dizem que eu sou pequena. Aí quando eu choro pedindo pra dormir com eles, a mamãe vem com história de que já sou grandinha pra dormir sozinha. Afinal, o que eles querem? Me deixar loooouca??"
É, a vida de criança pode ser dura.

domingo, 2 de janeiro de 2011

O dia do Arremesso

A semana inteira passei explicando pra ela que o tal do Ano Novo estava chegando. Até historinha criei para fazê-la entender a complexa questão da passagem do tempo e a ideia de que um ano estava indo embora e o outro nascendo. Notei que ela ficou pensativa enquanto eu falava, talvez tentando imaginar onde é que estava o tal do Ano Velhinho. Aí lembrei que eu mesma, quando era criança, costumava chorar no Reveillon, por um motivo muito peculiar. É que eu ficava imaginando um velhinho, que nem o meu avô, tendo que ir embora e morrer, só porque era chegada a hora dele. Ficava morrendo de pena do Ano Velho, como se fosse uma pessoa mesmo.
Quando a gente cresce, os sentimentos e significados que damos ao que nos rodeia é naturalmente modificado. Há os que continuam chorando na passagem de ano. Alguns com saudades das coisas boas que viveram, outros recordando os momentos difíceis que tiveram de enfrentar e todos, certamente, despejando muitas expectativas em dias seguintes "mágicos", marcados simbolicamente por um ano novinho em folha.
"Chegou o Ano Novo, filha", gritei apontando pro céu.
Mas a Bia não entendeu nada daquele fuzuê em torno de um único dia. Viu os fogos sentada nos ombros do pai, deixou que eu a abraçasse com força e até gritou de alegria vendo todas aquelas luzes coloridas no céu. Mas o espetáculo não durou mais que alguns minutos e quando percebeu que isto era tudo o que ela poderia esperar da "tal" festa do Ano Novo, ficou mal-humorada: "Cadê o Ano Novo, mamãe?"
Passado apenas uns vinte minutos da meia-noite, ela virou pro pai- ainda sob o efeito da empolgação do reveillon - e pediu com voz de cansaço e olhinhos vermelhos de sono: "Papai, não quero mais o ano novo. Quero ir pra casa". Ainda tentei enrolar, colocá-la pra dormir na festa, mas não teve jeito.
Assim, ainda antes de bater a primeira hora do primeiro dia do ano, estávamos nós três voltando pra casa. O céu claro, as ruas vazias, um ou outro passando vestido de branco, a Bia capotada na cadeirinha do carro e uma silenciosa paz que nos acompanhou quase todo o trajeto pra casa.É, um novo ano, cheio de novos sentidos, estava mesmo começando.