sábado, 23 de outubro de 2010

A incrível saga da Mulher-polvo em busca da Babá quase perfeita

Depois de mais de um ano conosco, a Babá foi embora. Sem aviso prévio, sem justa causa e, pior, na semana mais complicada do meu trabalho. Com uma comissão do Mec esperando por mim numa faculdade e mais de duzentas provas pra corrigir de outra, ela me comunicou assim que chegou na segunda-feira: “Dona Lígia, a senhora vai ter que arrumar outra pessoa porque eu vou embora. Arrumei outro emprego perto da minha casa e começo no sábado”.
Definitivamente, isso dói. Especialmente se você gostava da funcionária e se acreditava com todas as forças que ela também gostava de você. Pior, se todas as suas roupas lavadas, passadas, almoço feito e cuidados com a sua filha (que a adorava) dependiam dela.
Não sei se alguém vai me entender, mas juro por Deus que a sensação que tive depois dela ter ido embora foi a mesma de ter terminado um namoro. Mais ou menos como se você estivesse feliz e satisfeita, fazendo mil planos com o parceiro e, de repente, ele chegasse terminando tudo para se casar com outra pessoa. Em uma semana!
Acordei no dia seguinte com a cara inchada de chorar, aquela sensação de ressaca emocional e me sentindo completamente perdida sem saber como é que seria a minha rotina de trabalho sem ter com quem deixar minha filha a partir do dia seguinte.
Como sou professora universitária, dou aulas pela manhã e à noite. No último turno está a causa da minha total dependência do serviço dessas pessoas. Infelizmente.
Digo infelizmente porque pela minha experiência de 2 anos e mais de 14 babás, sinto que me apego muito mais a elas do que o contrário.
Toda vez que chega alguma funcionária nova digo a mim mesma que dessa vez vai ser diferente, que vou manter uma distância saudável e que não irei me surpreender caso não dê certo. Há! Dois meses depois e já estou agradando, dando presentinho, enxergando a pessoa quase como membro da família. E faço isso porque acredito que a babá passe tanto tempo na minha casa que poderia mesmo se tornar como parte do que temos. Sem falar que é ela quem fica sozinha com a Beatriz em muitos momentos, portanto faz todo sentido que eu tente deixá-la bem feliz e satisfeita.
Ainda assim, elas nos deixam ao menor sinal. Melhor dizendo, à mais inescrupulosa oferta. E não se enganem! O inimigo pode estar ao lado, de surdina. Pode ser aquela sua vizinha que também tem filha pequena e se finge de bacana, pra depois oferecer emprego pra sua funcionária. Ou então aquela mãe de um coleguinha da escola que em pleno aniversário, aproveita um momento de descontração pra deixar um bilhete no bolso da babá alheia escrito: “Preciso urgentemente de você. Cubro seu salário, dou Plano de Saúde, cesta básica e ainda pago a Texturização no cabeleireiro. Me ligue!”
Para onde foi a solidariedade entre as mães, meu Deus? É um mundo cão do salve-se quem puder, ou tiver mais dinheiro para bancar a melhor babá.
E no meio disso, fico eu aqui ligando pra todos que conheço, deixando anúncio em jornal e recebendo ligações a cobrar o dia inteiro, enquanto passo um pano no chão, dou banho na Bia e preparo uma aula. Tudo ao mesmo tempo.

sábado, 9 de outubro de 2010

O que é ser boa mãe?

Desde o dia em que me vi com os dois pauzinhos vermelhos – que apareceram no exame de urina – até hoje, continuo a me questionar sobre o assunto:
Afinal, o que é ser boa mãe?
É largar o emprego para dedicar mais horas de atenção à minha filha? Ou é trabalhar mais para tentar proporcionar uma educação melhor do que a que tive, com mais oportunidades?
É fazer uma poupança em nome dela? Ou é ensiná-la a poupar o próprio dinheiro, quando tiver idade para tal?
É contratar a ajuda de uma babá para poder dormir uma noite inteira sossegada ou mesmo ir ao cinema com o marido? Ou é dispensar a ajuda para evitar que minha filha confunda quem é a mãe?
O que é, meu Deus, ser uma boa mãe?
É ensiná-la a orar e pedir a Ti por proteção? Ou é deixar que ela escolha a religião e crença que vai seguir, quando for grande o suficiente?
É comprar toda a coleção da Fisher-Price , que alega oferecer o melhor desenvolvimento para cada fase da minha filha? Ou é oferecer brinquedos de madeira que chamam de educativos?
É deixá-la dormir na minha cama quando ela está pedindo com aquela carinha de choro? Ou é deixá-la sozinha no quarto para adquirir auto-confiança?
É limpar o chão para ela brincar com os coleguinhas? Ou é deixar que se sujem para adquirir mais anticorpos?
É dar suco de beterraba com laranja porque é saudável? Ou é deixá-la comer batata-frita, de vez em quando,pelo prazer do momento?
É educá-la falando do amor ao próximo não importa a situação, mesmo quando tiver apanhado na escola? Ou é ensiná-la a se defender, mordendo de volta o coleguinha da escola, que cisma em cravar os dentinhos no braço dela?
O que é certo? O que é errado? O que é melhor? O que é pior?

Muitas vezes, antes mesmo de considerar qualquer uma dessas questões, temos de ouvir as certezas da mãe, da sogra, da vizinha, da amiga e até da desconhecida. Impressionante como as pessoas gostam de opinar sobre o tipo de mãe que você deve ser, ainda que tenham lhe conhecido apenas 2 minutos antes. E aí lhe resta congelar aquele sorriso de dentes trincados de raiva, para não ser chamada de desequilibrada por aí.

O fato é que feliz, ou infelizmente, não há manual de usuário para os filhos (sim, fui clichê. Foda-se). A meu ver, não há como normatizar as regras que farão do meu filho ou filha alguém mais inteligente, mais culto ou mais feliz. Pode ser, ainda, que o que funcionou para mim, não se encaixe, de maneira alguma, no cotidiano e ideologias de outra família.

Com isso não quero dizer que valores fundamentais que norteiam a vida em sociedade (como ética, respeito e generosidade) não sejam importantes para a educação de uma criança. Mas como fazer para ela entender esses princípios é que nos leva a muitas possibilidades e formas diferentes de agir. Inclusive em contextos diferentes.

E por mais que, ao longo da minha ainda curta jornada como mãe, tenha encontrado uma série de mães só-eu-sou-certa-e-sei-que-é-melhor-para-seu-filho, tento preservar as minhas intuições e fazer ouvido de mercador às versões femininas do finado Papai sabe-tudo.

Entendo que a vida vai mesmo oferecendo uma porção de caminhos diferentes a ser seguido, o que implica necessariamente em escolhas. Não necessariamente boas, nem más. Apenas diferentes, já que também somos todos únicos.
Assim, na sincera busca por acertar, inúmeras vezes me vejo envolvida num emaranhado de dúvidas e apenas uma certeza: a de que, não importa o que faça, jamais serei perfeita. Só de tirar o peso dessa exigência, talvez já esteja sendo uma boa mãe.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Tinha um Barão espertalhão...

Quando a escola da minha filha começou o projeto “Vamos mudar o Brasil” – para trabalhar algumas questões sobre respeito, ética e civilidade em plena época de campanha eleitoral – achei que seria muito difícil inserir tal temática no universo de uma criança de apenas dois anos. Na mesma hora, lembrei da discussão em torno dos dois atuais candidatos ao governo do estado do Ceará, em que o irmão de um xingava, gritava e trocava ofensas com o assessor do outro. A patética cena, que mais parecia com a imagem de duas crianças disputando quem conhecia mais palavrões, foi digna do “Oscar da baixaria” e amplamente divulgada, nos últimos dias, pelas redes virtuais afora. Sendo assim, pensei que se já era complicado discutir esse assunto com adultos aparentemente bem-informados, que dirá fazer uma criança entender as tramoias que se desenrolam por trás de uma disputa a presidência ou governo do estado.

Foi então que uma tarefinha de casa pedida pela professora – em que os pais deveriam ajudar a criança a identificar formas de tornar o Brasil melhor – exigiu de mim todo um esforço mental e psicológico para pensar em algo que nós pudéssemos construir juntas.

Sendo assim, fiquei horas matutando (verbo cearês, do infinitivo matutar, o mesmo que pensar) algo para ensinar à Bia como parte de um Brasil melhor. Depois de ter eliminado questões agrárias e outros assuntos um tanto quanto complexos, achei que poderíamos trabalhar com a questão do respeito às leis do trânsito, já que era algo que lidávamos diariamente.

Todos os dias, quando vou deixar a Beatriz na escola, vejo carrões estilo “tenho grana-sou possante- e-quero-que-você-se-foda” parados em fila dupla na entrada do portão. Não importa quantos cartazes, bilhetes e campanhas a escola tenha feito – pedindo aos pais que não parem seus carros em lugares proibidos – ainda assim, a cena se repete diariamente. Como boa observadora, percebi também que a maior parte desses veículos “infratores” são de marcas com alto valor de mercado, e que costumam ser dirigidos por motoristas particulares. É tão absurda a situação que chega a ser quase engraçada. Funciona assim: sujeitinho acredita com todas as forças que o mundo só acontece para servir de cenário às suas atividades. Logo, realmente pensa estar certo quando decide que todos naquela fila de carros ( os que estão atrasados para o trabalho, os que vão se consultar com um médico etc) devem esperar pacientemente enquanto ele desembarca Jesus Cristo em pessoa.

Enquanto páro meu humilde carrinho uns dois quarteirões adiante e vou caminhando em direção à escola, fico pensando no que leva essas pessoas a agir dessa forma. Será que sinceramente acreditam serem superiores, predestinadas e, portanto, dotadas de permissão divina para estarem acima da lei? Será que não percebem que estão desrespeitando o Outro? Ou simplesmente pagam dois IPVA´s? Pior, como vou explicar tudo isso pra Bia?

Há. Nem precisei. Temos (e agora uso a primeira pessoa do plural na tentativa de diluir a culpa) uma mania feia de subestimar a capacidade intelectual das crianças, mas a cada dia que passa, aumenta a minha certeza de que não há nada que não possa ser dito ou explicado a elas. É claro que muitas vezes serão necessárias figuras de linguagem para se fazer entender, mas até aí tudo bem. Afinal, os adultos também costumam falar com muito mais honestidade quando se utilizam desses artifícios lingüísticos.
Fomos atravessar a rua na frente do portão da escola e, vendo uma Hillux enorme parada em cima da faixa de pedestre, ela aponta o dedo pro carro e fala na frente do motorista, em voz alta e com a sombrancelha arqueada de seriedade: “Não pode parar aqui. É feio! Pode machucar a Bia!” Eu concordei em voz alta, pra ver se o mané se tocava.
Nem uma palavra.
Na volta pra casa, Bia pede pra colocar o cd com a música da bicharada:
"Era uma vez (e é ainda)/ certo país (e é ainda)/Onde os animais eram tratados como bestas(São ainda, são ainda)/ Tinha um barão (tem ainda)/ Espertalhão (tem ainda)...
...Miau,miau,miau, ia, ió.Au,au,au, cócórocó.."