sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Tinha um Barão espertalhão...

Quando a escola da minha filha começou o projeto “Vamos mudar o Brasil” – para trabalhar algumas questões sobre respeito, ética e civilidade em plena época de campanha eleitoral – achei que seria muito difícil inserir tal temática no universo de uma criança de apenas dois anos. Na mesma hora, lembrei da discussão em torno dos dois atuais candidatos ao governo do estado do Ceará, em que o irmão de um xingava, gritava e trocava ofensas com o assessor do outro. A patética cena, que mais parecia com a imagem de duas crianças disputando quem conhecia mais palavrões, foi digna do “Oscar da baixaria” e amplamente divulgada, nos últimos dias, pelas redes virtuais afora. Sendo assim, pensei que se já era complicado discutir esse assunto com adultos aparentemente bem-informados, que dirá fazer uma criança entender as tramoias que se desenrolam por trás de uma disputa a presidência ou governo do estado.

Foi então que uma tarefinha de casa pedida pela professora – em que os pais deveriam ajudar a criança a identificar formas de tornar o Brasil melhor – exigiu de mim todo um esforço mental e psicológico para pensar em algo que nós pudéssemos construir juntas.

Sendo assim, fiquei horas matutando (verbo cearês, do infinitivo matutar, o mesmo que pensar) algo para ensinar à Bia como parte de um Brasil melhor. Depois de ter eliminado questões agrárias e outros assuntos um tanto quanto complexos, achei que poderíamos trabalhar com a questão do respeito às leis do trânsito, já que era algo que lidávamos diariamente.

Todos os dias, quando vou deixar a Beatriz na escola, vejo carrões estilo “tenho grana-sou possante- e-quero-que-você-se-foda” parados em fila dupla na entrada do portão. Não importa quantos cartazes, bilhetes e campanhas a escola tenha feito – pedindo aos pais que não parem seus carros em lugares proibidos – ainda assim, a cena se repete diariamente. Como boa observadora, percebi também que a maior parte desses veículos “infratores” são de marcas com alto valor de mercado, e que costumam ser dirigidos por motoristas particulares. É tão absurda a situação que chega a ser quase engraçada. Funciona assim: sujeitinho acredita com todas as forças que o mundo só acontece para servir de cenário às suas atividades. Logo, realmente pensa estar certo quando decide que todos naquela fila de carros ( os que estão atrasados para o trabalho, os que vão se consultar com um médico etc) devem esperar pacientemente enquanto ele desembarca Jesus Cristo em pessoa.

Enquanto páro meu humilde carrinho uns dois quarteirões adiante e vou caminhando em direção à escola, fico pensando no que leva essas pessoas a agir dessa forma. Será que sinceramente acreditam serem superiores, predestinadas e, portanto, dotadas de permissão divina para estarem acima da lei? Será que não percebem que estão desrespeitando o Outro? Ou simplesmente pagam dois IPVA´s? Pior, como vou explicar tudo isso pra Bia?

Há. Nem precisei. Temos (e agora uso a primeira pessoa do plural na tentativa de diluir a culpa) uma mania feia de subestimar a capacidade intelectual das crianças, mas a cada dia que passa, aumenta a minha certeza de que não há nada que não possa ser dito ou explicado a elas. É claro que muitas vezes serão necessárias figuras de linguagem para se fazer entender, mas até aí tudo bem. Afinal, os adultos também costumam falar com muito mais honestidade quando se utilizam desses artifícios lingüísticos.
Fomos atravessar a rua na frente do portão da escola e, vendo uma Hillux enorme parada em cima da faixa de pedestre, ela aponta o dedo pro carro e fala na frente do motorista, em voz alta e com a sombrancelha arqueada de seriedade: “Não pode parar aqui. É feio! Pode machucar a Bia!” Eu concordei em voz alta, pra ver se o mané se tocava.
Nem uma palavra.
Na volta pra casa, Bia pede pra colocar o cd com a música da bicharada:
"Era uma vez (e é ainda)/ certo país (e é ainda)/Onde os animais eram tratados como bestas(São ainda, são ainda)/ Tinha um barão (tem ainda)/ Espertalhão (tem ainda)...
...Miau,miau,miau, ia, ió.Au,au,au, cócórocó.."

Um comentário:

  1. Aqui em Terras Amazônicas tenho me deparado com a mesma situação, grandes carros e pequenas pessoas (em raciocínio) amontoam grandes carros na porta da escola em que o Bernardo estuda...todos ávidos por buscar seus rebentos pós expediente!...Mas aqui, digo, vejo algumas diferenças ...são os pais e mães que estão presentes no foyer da creche/pré-escola....Mas aí falo com uma pontinha de desdém e outra de inveja (aquela invejinha boa em que você gostaria de estar fazendo o mesmo que a pessoa, pelo menos de vez em quando...)...As mães deixantes e buscantes muitas vezes trajam roupas que denunciam sua intenção...ir à academia de ginástica enquanto seus pimpolhos estão na escola,...e eu,...fico no bloco das working mothers com suas camisas logomarcadas de indústrias do Distrito Industrial e outras empresas...E aí entra outra questão, equilibrar trabalho e dedicação à educação dos filhos...

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